quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

Lições de sábado 337

Era outubro de 1966. Eu tinha nove anos e estudava no Chapeuzinho Vermelho, em Ipanema, quando A Banda ganhou. Estávamos preparando a festa de final de ano da turma, quando a professora de música, Tia Gelre, veio correndo pra dizer que A Banda tinha ganhado o festival na noite anterior. Decidiu-se, então, que iríamos homenagear A Banda. E cada criança iria representar um personagem. O homem velho, o faroleiro, a moça feia, a namorada. E eu fui escolhida para ser a Lua. Então, de repente, A Banda passou a representar para mim algo que eu não esperava. Eu era a Lua da Banda. Minha mãe mandou fazer um vestido de organdi amarelo com florzinhas para combinar com a personagem. E na hora em que se falava que a "Lua cheia que vivia escondida surgiu", eu me levantava com uma imensa lua de cartolina pintada de amarelo. Ano passado, me pediram para fazer o poema e senti que era isso que eu tinha de contar. Mas só que de um jeito poético. Foi o que saiu.

QUANDO A BANDA PASSOU
para Alice, de aniversário

Quando A Banda ganhou,
o tempo parou
e parou todo mundo pra ver:
quem estava à toa
quem namorava
quem sofria
ou contava as estrelas.
Nem a moça nem a rosa
nem ninguém se sentiu triste
e a meninada continuou a brincar.
O cansaço do velho passou,
a moça feia sentiu-se bela
feito Carolina na janela.
O homem sério sorriu,
o faroleiro calou
e a marcha alegre enfeitou toda a cidade.
Que desencanto doce lembrar
que A Banda passou.
Mas eu era menina
e não sabia que eu era
a lua.

22/07/2003 – 20h00
In “Chico Buarque do Brasil”, Ed. Garamond, 2004


sábado, 20 de janeiro de 2018

Lições de sábado 336

Abri um livro de Joseph Conrad (1857-1924), "Nostromo", e encontro uma citação de Shakespeare antes da folha de rosto: "So foul a sky clears not without a storm", que quer dizer "Um céu tão tormentoso só clareia após uma tempestade". Essa citação vem da peça "Rei João", Ato 4, Cena II, dita pelo rei a um mensageiro que lhe traz más notícias. A relação com o livro está ligada à política, guerras civis e intervenção estrangeira. O romance é marítimo e a edição é de 1947, com primeira impressão em 1904. Em capa dura, com a assinatura do autor impressa nas capas internas, mostra ser uma edição especial. A edição inglesa é de J.M. Dent and Sons Ltd. e tem um subtítulo, "A Tale of the Seaboard" ("Um conto marítimo"). Shakespeare influenciou muitos autores ao longo desses 400 anos após sua morte, com poemas e peças que se repetem sempre sob uma nova luz. "Ricardo III" corresponde aos ditadores que querem tomar o poder a qualquer custo. "Romeu e Julieta" veio de um poema que Shakespeare aperfeiçoou e transformou na sua melhor peça sobre o amor e o ódio. Pequenas referências literárias nos conduzem à nossa vivência diária e transpomos os limites entre o real e o imaginário. A citação usada por Conrad é um mistério ligado ao livro estudado por críticos. A discussão é: a que guerra Conrad se refere? Irving Howe diz que, em "Politics and the Novel" (1957) sobre "Nostromo", que "o progresso veio do caos, mas é um tipo de progresso que leva de volta ao caos".

20/01/2015


terça-feira, 9 de janeiro de 2018

Lições de sábado 335

Quando lhe disserem que algo é impossível, e você sabe que não é, e se põe a fazer, saiba que, se der certo, é porque você tinha razão e, se não der, é porque não era para ser. Muitas coisas que fazemos são destinadas ao fracasso, porque simplesmente não se aplicam. Outras, essas que são bem sucedidas, só acontecem por um motivo: eram para acontecer, apesar de todos os prognósticos em contrário. Há coisas que ocorrem mesmo que nada façamos para isso. E outras que só acontecem, porque nos mobilizamos para fazê-las. É a relação espaço-tempo que determinam os acasos objetivos que levam à sucessão de eventos para que algo ocorra. Eu não estaria aqui se não tivesse de estar, e outros não estariam onde estão se não tivessem alguma função - o acaso é regido por leis próprias e inatingíveis. Então, antes de se perguntar "por quê?", pergunte-se "para quê?". Para que serve determinada coisa (ou como dizia a cantora francesa Françoise Hardy, "À quoi ça sert?") é mais importante de por que determinado fato ocorre - ocorre simplesmente para que algo se faça, aconteça e se realize, e isso não tem nada a ver com a nossa vontade - apenas é. 

9/01/2018 - 20h47




Lições de sábado 334

Acho incrível como um livro pode nos acompanhar a vida inteira, desde a mais tenra idade, sem se perder. Há outros que se perderam, e que nunca esqueço e que penso que um dia vou reencontrar. Há livros que vivem se perdendo de mim, mas que sei que estão em algum lugar, reencontro e perco de novo, sem nunca conseguir ler. Há livros que não querem ser lidos, simplesmente isso. E outros que você nunca esquece, mesmo sem ter lido de novo. E há livros que quando relemos descobrimos coisas que não lembrávamos. Livros são como pessoas, alguns inesquecíveis.

9/01/2018 - 12h34


Lições de sábado 333

Saiba, precisamos de ontens e hojes, como precisamos de amanhãs. Precisamos de agoras e de momentos, de instantes e segundos, precisamos de horas e dias, como precisamos de meses e anos, mas nunca precisamos tanto de pessoas, essas que fazem os dias, meses, anos, momentos, ontens, hojes e amanhãs tão importantes. Precisamos de nós. Só nós vivemos como se não tivesse amanhã. Feliz ano novo. Feliz 2018.
30/12/2017 - 17h09