sábado, 28 de dezembro de 2019

Lições de sábado 367

Último sábado do ano, e eu tinha de dizer alguma coisa. A rainha Elizabeth II fez seu pronunciamento de Natal pela televisão como tem feito desde o ano em que eu nasci, em 1957. E escolheu como tema os pequenos passos que nos levam adiante, ao se recordar dos 50 anos da chegada do homem à lua, pelos pés de Neil Armstrong. Não são os grandes saltos, mas os pequenos passos que fazem a diferença, disse a rainha. Ainda nos espelhamos em exemplos. Precisamos de exemplos para seguir em frente. Sejam os nossos pais, tios, primos e irmãos mais velhos, ou atores de cinema, teatro, televisão, cantores, ou até um amigo, alguém que em quem nos vemos melhor. Os exemplos são muitos, pode ser a avó que já faleceu, o imperador que não temos mais, algum personagem histórico, um navegador, um revolucionário, um rei, um escritor, um poeta, um pintor ou escultor. Sempre escolhemos alguém em quem nos espelhar. Atrizes, escritoras, pintoras, escultoras, cantoras, compositoras, maestrinas. Guardamos em nós as faces que escolhemos para admirar. Na adolescência, eu colava imagens recortadas de revistas francesas na parede, às vezes, frases, paisagens, mas principalmente rostos. Todos os rostos que eu queria ter. Uma dessas frases dizia: "S'aimer c'est tout partager. Tout" (Amar é dividir tudo. Tudo.) Mas como tudo serve a um propósito, um dia arranquei todas as fotos da parede e nunca mais coloquei nenhuma imagem no meu quarto. Talvez eu já tivesse ganhado um rosto que fosse meu. Não precisava mais delas. Mas continuei admirando os personagens reais ou fictícios que conhecia, atenta à biografia de escritores como James Joyce e Drummond, atores como Charles Chaplin e Tônia Carrero, reis como George VI e Pedro, o Grande, rainhas como Vitória e Leopoldina, presidentes como Roosevelt e Prudente, princesas como Sissi e Isabel, e faraós como Akenaton e Nefertiti. Todos cabem em nosso universo interior, essa plêiade humana que carregamos em nós, tantas células herdadas de tempos antigos. Somos todos. Todos estão em nós. "Partager tout". Dividimos tudo com todos. Mesmo que a princípio pareça que não. Agradecer aos inimigos a nossa resistência. Agradecer aos amigos a sua compreensão. Vivemos o hoje como nunca existiu. Todas as vidas em nós, e nós, as sementes do futuro.

28/12/2019 - 11h14 

Tônia Carrero, em "Natal na praça" (1957), foto de Adolfo Celi 

quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

Lições de sábado 366


Meu avô, Trajano de Barros Camargo nasceu em Limeira, em 15 de março de 1890. Seus pais era Flamínio Ferreira de Camargo e Cândida Virgínia de Barros. Foi o sexto de dez filhos e herdou do pai a determinação e a capacidade de se antecipar ao seu tempo. Estudou como interno na Escola Americana, em São Paulo, hoje Universidade Presbiteriana Mackenzie, onde se formou em Engenharia Civil, aos 19 anos, em 1909. No início de 1910, ingressou na University of Wisconsin na cidade de Madison, nos EUA, para cursar pós-graduação em Mecânica Industrial. Nessa universidade, fez parte da Orquestra Sinfônica como flautista e foi o responsável pela primeira execução do Hino Nacional Brasileiro nos Estados Unidos.
Em novembro de 1910, devido ao falecimento de seu pai, o Coronel Flamínio, foi forçado a retornar ao Brasil sem concluir a pós-graduação. A partir de 1911, dedicou-se ao comércio e indústria de madeira num povoado chamado Faxina de Itapeva, SP, hoje Itapeva, além de lecionar Matemática na Escola Agrícola Luiz de Queiroz, em Piracicaba.
Em janeiro de 1914, juntamente com dois sócios, fundou a empresa Souza Penteado & Cia., em Piracicaba, uma indústria de máquinas de beneficiamento de café, Abelardo Aguiar de Souza e Antonio Augusto de Barros Penteado, seu cunhado. Casou-se, em fevereiro desse mesmo ano, com Maria Thereza da Silveira Mello. Em 1917, com a saída de Abelardo Aguiar, a indústria, já denominada B. Penteado & Cia., foi transferida para Limeira.
Com a transferência, Trajano Camargo regressou a Limeira com a esposa e três filhos, vindo a residir, com a mãe viúva, na casa da chácara que fora construída pelo seu pai (que foi sede da Secretaria de Educação de Limeira, ao lado do Zoológico Municipal). Ao atirar um grão de café contra a parede com um bodoque, Trajano percebeu que isso provocava a liberação da casca. Assim, concebeu o primeiro descascador de café por impacto do Brasil. Trajano de Barros Camargo descobre um método para separar os grãos da casca do café que revolucionaria a indústria e igualmente o beneficiamento cafeeiro.
Nessa época, desenvolve a primeira máquina compacta para descascar café, através do processo de choque, com peneiras e ar para soprar as cascas, separando-as do café descascado. Até então, eram necessárias cinco máquinas para fazer o mesmo serviço. A indústria passou a se desenvolver mais ainda depois que ganhou a Medalha de Ouro na Exposição Internacional do Centenário da Independência do Brasil, em 1922. Para Limeira, deu uma das indústrias mais importantes do país na época, a Machina São Paulo, capaz de reunir, já no início do século, um quadro de 500 funcionários, em 30 mil metros quadrados.
Faleceu de câncer, em 8 de abril de 1930, deixando a viúva e sete filhos. Seu legado para Limeira é incomensurável. Nesta foto, de 1925, cinco anos antes do seu falecimento, o vemos com quatro de seus filhos, Nelson, Flávio, Trajaninho e Prudente, e ao lado da mãe, D. Cândida. Encontrei a foto em outro envelope, separada das que havia encontrado anteriormente numa caixa que pertencia a Tio Trajaninho. Uma grande família com uma grande história que precisamos contar entre nós.

18/12/2018