segunda-feira, 23 de abril de 2018

Lições de sábado 348

O que aprendi traduzindo Shakespeare

Eu não fazia ideia do que iria aprender com Master William ao longo dos seus 154 sonetos publicados juntos em 1609, pouco antes de morrer, em 23 de abril de 1616, na mesma Stratford-upon-Avon onde cresceu aos cuidados de sua mãe amorosa, e se casou com a dedicada Anne Hathaway, que lhe deu todos os filhos que teve, a começar pela mais velha, Susana, preocupando-se em casá-la antes de partir desta para a melhor. Muito se tem dito sobre Shakespeare mesmo sem o menor fundamento. E muito não se sabe sobre ele, mesmo tendo escrito as peças que mais influenciaram as pessoas, até aquelas que não as assistiram. Quem não sabe o antigo bordão: “Ser ou não ser, eis a questão?” Poucos sabem de onde vem e por quê. Há mais meia dúzia de frases célebres da mesma peça “Hamlet” que todos repetem sem saber de onde vêm. E, no entanto, estão, no dia a dia, um punhado de palavras e expressões cunhadas por ele. Ele era genial. Tanto gênio não pode ser sub-rogado por ninguém. Ele não era outro. Foi o que descobri ao traduzir os sonetos. É a maior confirmação de sua existência: mesmo que tenha deixado a bela obra para o teatro, era nos sonetos que ele se divertia, sofria, amava, bordava e pintava. Muitas vezes, durante a tradução, eu me sentia transportada para algum lugar há 400 anos, e voltava de lá descansada. Houve dias, durante dois anos, em que traduzia três sonetos de uma vez, outros, seis, mas houve um em que eu estava tão cansada que precisei traduzir treze para conseguir relaxar. Traduzi-los valeu a pena. Mil livros vendidos depois e ainda reimprimindo e vendendo, descobri que Shakespeare tem a condição dos sábios, de dizer muito com poucas palavras, que continuam repercutindo na mente como um mantra. Tudo está em Shakespeare e Shakespeare está em tudo. Do “Ser ou não ser” a “Há mais mistérios entre o céu e a terra, Horácio, do que sonha a sua filosofia” (sem vã, que foi invenção do tradutor), William Shakespeare consegue estar presente em todos os setores da atividade humana, servindo de epígrafe, epitáfio, legenda, citação para um monte de coisas e pessoas, da filosofia à política, do amor à morte. Viva Shakespeare por ter feito tanto por todos.
23/04/2018 - 12h23


domingo, 1 de abril de 2018

Lições de sábado 347

A mentira é contumaz. Quanto mais ela avança, mais se torna ousada. Nada teme, mesmo quando pega em flagrante. O mentiroso não se esconde. Só disfarça. Sempre terá a audácia de voltar e manter a mentira. O mentiroso não se arrepende das mentiras que contou. Segue incólume, porque sempre terá quem acredite. Até tem um dia só pra mentira (que um dia foi verdade).

1/04/2014


Lições de sábado 346

Toda vez que entro numa livraria, ligo um radar, como se estivesse pronta para ver algo que nunca esperei encontrar. Só que não é consciente. Mas como já aconteceu várias vezes comigo, eu sei que basta entrar numa livraria para esse fenômeno se repetir. Sempre puxo um livro que nem imaginava existir. Estranha capacidade dos livros de nos chamarem de onde estão, imóveis em sua estante, como se falassem conosco por telepatia. "Venha, venha", eles dizem, mas num tom tão imperceptível, que não prestamos atenção no que estamos ouvindo, só quando já o temos na mão é que entendemos a mensagem. Livros têm poderes que nem suspeitamos. Carregam histórias de vidas. Carregam mensagens, segredos, revelações e mistérios. Um livro não é vencido pelo tempo. Pode levar uma eternidade, mas um dia será lido. E não é preciso ler todos os livros do mundo (nem aquela lista dos 100 melhores da BBC) para dizer que leu - eles só serão lidos se tiverem utilidade. Se forem inúteis, nunca serão lidos - e sim outros muito mais úteis para nós. Os livros que não li, eu não precisei ler, já que nunca sentiram minha falta. O livro que precisei atirou-se em mim. 
1/04/2018 - 10h40