sábado, 27 de dezembro de 2014

Lições de sábado 182

As mudanças desafiam o tempo. Tudo nasce, cresce e morre, mas quer se manter permanente. O que precisa mudar transfigura-se, adapta-se para resistir. E mesmo assim elas ocorrem. Procuramos sinais de permanência nas casas, nas pedras, nas árvores e, embora tudo esteja sempre mudando, há traços que dormem na aparência. Isso nos faz lembrar de nós mesmos. Daí a repetição dos dias. As cores do céu podem mudar, mas ainda é o céu. Procuramos a permanência. E no efêmero dos dias, estendemos o manto do tempo, para nos sentirmos vivos. E guardar nos gestos o que passa e deixa em nós as suas marcas.

27/12/2014 - 21h48


Lições de sábado 181

O cemitério de Père-Lachaise, em Paris, ganhou seu nome a partir de François d'Aix de La Chaise (1624-1709), conhecido como Père La Chaise, confessor de Luís XIV, que residiu neste palacete de 1675 até sua morte em 1709. Napoleão Bonaparte, como cônsul, decretou que "todo cidadão tem o direito de ser enterrado independente de sua raça ou religião", incluindo os ateus, os excomungados, os atores e os pobres. Mas o cemitério não tinha a preferência dos parisienses que não queriam ser enterrados em um bairro tão pobre. Em 1804, o Père-Lachaise tinha apenas 13 sepulturas. No ano seguinte, tinha 44, depois 49 em 1806, 62 em 1807, e 833 em 1812. Em 1817, para melhorar a imagem do cemitério, a prefeitura de Paris fez a transferência dos despojos de Abelardo e Heloísa, além de Molière e La Fontaine. Foi o que bastou: em 1830, havia 33.000 tumbas. O Père-Lachaise sofreu nessa época 5 reformas para aumentar de tamanho: em 1824, 1829, 1832, 1842 e 1850. Estas permitiram passar de 17 hectares 58 ares (175.800 m2) a 43 hectares 93 ares (439.300 m2) para abrigar 70.000 túmulos, 5.300 árvores, uma centena de gatos, inúmeros pássaros e 3,5 milhões de visitantes. As celebridades enterradas no Pére-Lachaise hoje vão de Edith Piaf a Jim Morrison, de Oscar Wilde a Chopin, além de Balzac, Delacroix, Marcel Proust, Paul Eluard e Allan Kardec, localizada na seção 44, provavelmente a mais florida do cemitério. A lista é imensa. Na portaria, recebemos um pequeno folheto com os nomes e as localizações das sepulturas dos famosos. Algumas estão destruídas, mas outras são preservadas e limpas, sempre com flores frescas, como a de Chopin. Abelardo e Heloísa têm um mausoléu com efígies do casal de amantes sob uma castanheira. Eu trouxe duas castanhas que colhi no chão ao lado do túmulo em 2005, que guardo até hoje. As mais procuradas são de Kardec e Morrison, que está sempre florida e pichada, como a de Wilde, que foi toda grafitada e marcada com beijos de batom.

25/12/2014 - 17h30




Lições de sábado 180

Les Mardis mallarméans, as Terças de Mallarmé, começaram em 1877, encontros quinzenais em sua casa, onde reunia artistas, escritores e músicos para um bate-papo informal para troca de ideias. Num desses encontros, Mallarmé conheceu Claude Debussy, e lhe pediu que compusesse uma música para acompanhar a leitura de seu poema "A tarde de um fauno" (1876), publicado com as ilustrações de Edouard Manet (que também ilustrou a sua tradução de "O Corvo", de Edgar Allan Poe). Debussy somente compôs o "Prelúdio à tarde de um fauno" (1894), depois que Mallarmé desistiu de fazer a leitura acompanhada da música, temendo que chamasse mais atenção que o poema, mas foi a inspiração para essa peça, que 18 anos mais tarde, se tornaria a primeira coreografia moderna de Nijinsky, que estreou em Paris, sob vaias. O poema de Stéphane Mallarmé foi o primeiro poema moderno, que originou a primeira composição impressionista de Debussy e consequentemente o primeiro balé moderno, coreografado e interpretado por Nijinsky, em 1912.

27/12/2014 - 14h23





Lições de sábado 179

É como dizer para si mesmo: "Tudo vai dar certo", mesmo sem saber como. Vivemos num pequeno planeta chamado "Nosso mundo" e nele temos de revolver os vulcões, porque "nunca se sabe" quando explodirão. Aí nasce uma rosa, que nos cativará pelo tempo que gastamos com ela. E um dia partimos para outro mundo, outras terras e conheceremos outros homens, quando uma cobra irá nos levar de volta à nossa estrela, mas não antes de encontrar alguém que nos desenhe um carneiro. E, para melhorar, sempre teremos um novo pôr do sol ao final do dia.

26/12/2014 - 15h24



Lições de sábado 178

Como um sonho, atravessei suas ruas, estive em cada parte de tua cidade, como se soubesse o caminho, que descobria caminhando.

25/12/2014 - 00h38


Lições de sábado 177

Não mudamos o passado, mas podemos sublimá-lo. Entendê-lo como passagem, e não sofrimento. O passo errado, a palavra que foi dita, tudo pode ser perdoado. Mas o que muda o presente é aceitá-lo.


25/12/2014 - 00h33




Lições de sábado 176

A vida corre como um rio, dissipa-se como nuvem, espera à margem como as árvores. Se formos pedra, teremos a eternidade. Se formos montanha, a altura. Toda a vida cabe em nós, como metáfora. Por isso entendemos a paisagem, porque está contida no que vemos. E o que vemos é a vida que guardamos.

25/12/2014 - 00h32


quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Lições de sábado 175

Este foi O ano. Até apareceu um gato em minha casa, coisa que nunca entrou em tempo algum. Mas tudo que pensamos certo, muda e o que poderia mudar, torna-se permanente. É a lei das alternâncias. Saturno estava há dois anos em Escorpião, segurando todas as alterações, fazendo-nos refletir longamente sobre o que queríamos conquistar. Agora que entrou em Sagitário, na Lua Nova (Solstício de Verão, em 21 de dezembro), tudo que estava parado, vai começar a se mover, e os valores permanentes se destacarão. Certa vez eu disse que o segredo era descobrir a diferença entre o efêmero e o permanente. Há pessoas que entram em nossa vida que pensamos que ficarão e logo saem, e outras que conhecemos por acaso que são as que ficam. Quem fica não precisa estar o tempo todo ao nosso lado, mas é a que tem significado por mais tempo em nossa vida. Fazer essa distinção é o que nos leva adiante, e nos faz compreender as mudanças. As efêmeras passam, mas as permanentes ficam. Eu acredito em bens permanentes, aqueles que duram uma vida inteira.

24/12/2014 - 13h09


sábado, 20 de dezembro de 2014

Lições de sábado 174


"Não peça desculpas. É um sinal de fraqueza". 
Leroy Jethro Gibbs, NCIS (AXN) 

Um dia me perguntaram como eu tinha certeza do que estava fazendo. Eu me habituei a não ter dúvidas. Porque se as decisões dependiam só de mim, eu teria de saber tomar decisões sozinha. E com o mínimo risco possível. Às vezes, isso não é factível. Os riscos são o imponderável. O que não se pode prever. Por isso contamos com a sorte. E para ter sorte, é preciso rezar muito para que os erros sejam menores. Então Gibbs em sua Regra # 2 ou # 3, alerta para as certezas que devemos ter quando agimos. Não que não devamos pedir desculpas, mas não nos desculpar o tempo todo pelos erros que não podíamos prever. Errar é humano, mas também é humano aprender com os erros e assim aumentar nossa margem de acerto. Também me perguntaram se eu não me cansava "de estar sempre certa". Não, eu não me canso de acertar, pois é para isso que estamos aqui, para aprender a acertar. E os acertos nos tornam mais fortes, mais seguros, mais certos do que fazemos, não que tenhamos abolido os azares, mas teremos criado uma margem maior de acerto, uma possibilidade de não errar. Para isso, basta planejar como acertar. Como num jogo de xadrez.


20/12/2014 - 18h30




Lições de sábado 173

O tempo nos impõe paradas e retomadas, pressa e diligência, atenção e intuição. O tempo nos impõe paciência, pois nem tudo se resolve de imediato. Temos de superar as fases e as etapas, os estágios, seguir o passo a passo, até atingir o ápice, o auge de uma situação, até que se desfaça, desmorone, se desmonte em pedaços tudo que supúnhamos sólido e inteiro. O tempo guarda marcas, pegadas por onde passamos, para que lembremos o que foi feito. Uma anotação aqui, um bilhete ali, inscrevemos nossos feitos numa linha cronológica para que saibamos depois onde estivemos, o que dissemos e o que fizemos. Nossa arqueologia pessoal. Nossa odisseia imaginária. Nosso livro aberto. Sem o tempo não saberíamos o que houve ontem, há dez, vinte, trinta anos, nem há um século, ou há 300 anos. O tempo marca, com suas horas, o que fazemos e o que queremos fazer, mas somente o que foi feito deixa vestígios. São esses vestígios que lembramos. Assim nos reconhecemos. Somos somente o que lembramos. O que não lembramos, não vivemos, não poderemos reviver, não temos como guardar. Por isso as paradas são necessárias, para pensarmos sobre o tempo, que efeito ele teve sobre nós e o que fizemos enquanto ele passava para o infinito. 

20/12/2014 - 16h54 




domingo, 14 de dezembro de 2014

Lições de sábado 172

Quando pensamos amar, não amamos realmente. Aceitamos a superficialidade do amor como o amor total, quando ele não se entrega, nem se satisfaz. O amor que não beija, nem toca, não é amor. E, no entanto, ele se sustenta, como se pudesse existir, intocado. Substituímos a plenitude do amor por suas miragens, o que pensamos ver e julgamos suficiente. As distorções do amor são aparências feitas para nos enganar, que acreditamos estarem enraizadas no amor, quando os frutos que colhemos são amargos. Tanto se faz e se diz em nome do amor. Mas esse amor imperfeito, afeito a condições e subterfúgios, nunca se realiza, mesmo que aparentemente esteja ali. E tudo que pensamos dele não é sua incompletude, porém somente aquilo que imaginamos que se realizou. Amar não exige forma, mas tem seus modos. Não exige presença, mas está presente. Nunca se exime, pois é a única realidade que se dá a conhecer. Não se pode ter, mas sentimos em nós, como se fizéssemos parte dele. Buscamos o amor na ilusão do amor, e não em sua inteireza, pois para estar inteiro não podemos vê-lo. Assim como Eros que não se mostrava a Psique. Confiar no amor sem ver é um salto no escuro e, no entanto, vemos sem nossos olhos. E o que vemos e sentimos não podemos descrever.
13/12/2014 - 22h12 


domingo, 7 de dezembro de 2014

Lições de sábado 171

Tenho poucas paixões, mas elas me preenchem completamente. Para começar pelo que faço, que reúne todos os elementos essenciais ao conhecimento. As histórias que ouvi desde pequena, os livros que li, os personagens que conheci, os filmes que assisti, as músicas que ouvi, as pessoas que encontrei, todas elas remetem a uma parte do meu ser que é permanente, que não muda, nem envelhece. Ali todos coexistem em plena paz, como se o tempo fosse um moto contínuo no qual pudéssemos nos mover para frente e para trás e ver todos os que conhecemos, os que vivem e os já viveram. A qualquer momento podemos voltar ao instante mágico em que Julio Cesar disse "A sorte está lançada", e essa frase ecoou por todo tempo adiante. A qualquer hora podemos recordar os grandes feitos e os desastres, os grandes poemas e seus poetas, pensar na História não como um a parte dos livros, mas algo que vive constantemente em nós. Trazer qualquer lembrança como se fosse nossa, e usá-la para o bem da Humanidade. Aprender e ensinar são lados da mesma moeda. Aprendemos enquanto ensinamos e ensinamos enquanto aprendemos. O que sei hoje, sei melhor do que sabia antes, porque repeti para mim mesma mil vezes antes de dizê-lo agora. Agora, eu sei. E o que tiver de aprender, poderei ensinar do mesmo modo, sendo essa também uma das minhas paixões. O que sabemos é permanente. E aprendemos com o novo onde ele se encaixa e o que podemos aprender com ele.

7/12/2014 - 18h17 


Lições de sábado 170

O pai de Prudente de Moraes, José Marcelino de Barros, era tropeiro e percorria o sul do Brasil levando encomendas, cartas, pacotes, mercadorias e dinheiro, como esses que aparecem neste quadro de Debret. Os tropeiros faziam a comunicação com o interior, e traziam as notícias até lugares longínquos. Um dia foi morto numa emboscada por um negro escravo, que andava amuado com ele, deixando Prudente e os irmãos, ainda pequenos. A mãe D. Catarina Maria de Moraes, casou-se novamente com um coronel que não dava importância à formação escolar, e quis usar o dinheiro guardado por Marcelino para os meninos para outros fins. Catarina não arredou pé, o dinheiro seria usado para seus estudos como o falecido marido desejara. E assim foi. Depois de concluir a escola em Piracicaba, rumou para São Paulo para entrar na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, com seu irmão, o futuro Senador Moraes Barros. Ali se formaram e fizeram parte do primeiro grupo dos republicanos do país, fundando um partido, em Itu, cuja ata de constituição foi redigida por Prudente, do Partido Republicano. De origem relativamente humilde, teve formação sólida, e esteve lado a lado das principais figuras do começo de nossa República, até se tornar o primeiro presidente civil eleito por voto direto em 1894.

4/12/2014 - 19h


quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Lições de sábado 169


Há 112 anos, morria Prudente de Moraes e chegava ao Brasil, no mesmo dia, o Barão do Rio Branco, para assumir o Ministério das Relações Exteriores, vindo da Inglaterra, onde serviu como embaixador. Ao desembarcar do navio e saber que Prudente havia falecido, cancelou sua posse no Ministério, dizendo: "Primeiro, tenho que enterrar um amigo". Seu discurso em Piracicaba foi aclamado pelos presentes, no mausoléu em que Prudente foi enterrado. O Barão tinha longa amizade e gratidão para com Prudente por seu apoio, pois, ao se oporem à indicação de seu nome por ser barão para exercer funções na República, Prudente lembrou-lhes: "Ele é um bom brasileiro" .

3/12/2014 - 14h18

Prudente de Moraes (1841-1902)
José Maria da Silva Paranhos Júnior, Barão do Rio Branco (1845-1912)



Lições de sábado 168

Cerquemo-nos do que nos é mais caro, juntemos os livros, as xícaras, as cartas. Peguemos a mobília da casa, as cortinas das janelas, os tapetes sobre os assoalhos, e penduremos os quadros que mais amamos, tudo isso com abajures e castiçais, uma luz tênue e frágil, para abrigar a alma, esta a única que vive, sob todas as circunstâncias.


28/11/2014 - 21h12




Lições de sábado 167

Oscar Wilde e Fernando Pessoa morreram no mesmo dia, 30 de novembro, um em 1900 e outro 35 anos depois. Um irlandês, outro português, que também escrevia em inglês. Um aos 46 e o outro aos 47 anos. Ambos marcaram época e um estilo inconfundível, tanto na poesia, quanto na prosa. Celebrados em todo lugar, ombreiam seus contemporâneos, mas aqui os dois se encontram, tendo o mesmo dia de morte. Se o dia de nascimento é escolhido ou determinado de alguma forma, o de morte também deve ser. Se um, que celebramos todos os anos durante a vida, tem um significado, o de morte também tem. E por isso respeitamos esse dia, por marcar uma passagem no tempo, uma efeméride, marcada nas estrelas, como tudo que fazemos e nos acontece. Fernando Pessoa era astrólogo, e sabia disso, por isso criou uma data de nascimento para cada um de seus heterônimos. E de morte também. Houve um heterônimo que morreu depois dele, Ricardo Reis, e por isso Saramago escreveu um livro: "O dia da morte de Ricardo Reis". Por ela também ter sido importante.

30/11/2014 - 20h44







Lições de sábado 166

Sempre, no final do ano, muitos se vão. Como se escolhessem o final da linha para terminar a jornada. A lista daqueles que partiram ao fim do ano se alonga quanto mais se pensa que a missão deles se cumpriu. Achamos que a vida deveria durar mais, toda vez que alguém morre. Aí nos lembramos que ela não é infinita. Mas estar aqui nos faz sentir imortais. Enquanto houver vida, nós a viveremos. E não pensaremos que um dia isso acaba. Até o dia que acaba. Os que partem, vão inteiros. Nós ficamos sós com a partida.

18/12/2011 - 23h08


Na foto a família Prudente, os filhos e o casal, da esquerda para a direita: Prudente de Moraes Filho, Maria Amélia (minha bisavó), Adelaide (minha tataravó), Paula (caçula, no colo da mãe), Gustavo, Carlota, Maria Thereza, Prudente de Moraes, Antônio e Júlia.

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Lições de sábado 165

É evidente que tudo que faço é para o bem. Em nenhum momento me encontrarão conspirando contra alguém como espero que assim não façam contra mim. Mas se por algum desespero de causa alguém assim fizer saiba o risco que corre de ter toda essa energia voltada contra si mesmo, não por minha ação, mas porque toda ação corresponde a uma reação de igual intensidade em sentido contrário sem que eu nada precise fazer nem pensar. O que desejamos aos outros imprimimos para nós mesmos uma cópia, ou melhor, é como um fax, mandamos a cópia, mas guardamos o original. Amar seus inimigos tem a ver com isso. Não porque queiramos inimigos, mas temos de saber dispersa-los. Muita inveja e muita uruca os males das pessoas são. Luz. Muita luz para quem falta ver melhor.

28/11/20014 - 21h00


domingo, 23 de novembro de 2014

Lições de sábado 164

Para que servem as estações? Paradas, retomadas obrigatórias, em que as mudanças podem ser notadas, não só uma data no calendário. Celebramos esses momentos, começando, reiniciando o que havíamos interrompido. Comemoramos o novo, sem saber como será. E reunimos os símbolos que tragam boa fortuna. Não só um gesto, mas o significado do gesto. Não só uma guirlanda, mas o que está por trás desse símbolo, para que renove, em nós, o que desejamos de bom.

24/11/2014 - 5h48


Lições de sábado 163

Às vezes nos preparamos a vida inteira para uma missão, para um único amor que não sabemos qual é, mas ao descobri-lo entendemos que tudo que fizemos nos moldou e nos trouxe até ali, àquele destino, àquela pessoa.


19/11/2014 - 4h06




sábado, 15 de novembro de 2014

Lições de sábado 162

Este ano acaba em novembro. Ele foi longo demais, tedioso demais, arrastado demais, cheio de surpresas e desvios, erros e correções de trajetória. Muitas coisas deram certo. Outras nem tanto. E o que deu errado, tivemos de nos resignar. Não se conserta o que se partiu. Não se refaz o que se desfez, não se recobra o que se perdeu. O que foi perdido, perdido está. Nada poderia ter sido diferente. Mas o que deu certo, continua e essa é a nossa única salvação. Os atos se dividem em certo e errado, bons e maus, porém, no bem, há sempre algum mal que medra. Nos acertos, alguns erros são aceitos. E no que foi ruim, tentamos ver algo de bom. Este ano acaba em novembro. Não dá mais para aguentar perdas, gastos, desgastes e decepções. Contemos só as coisas boas. As que permanecem. O que passou é fruto caído da árvore em outro terreno. Por isso antecipei o fim para que só conte o que foi bom até aqui. O que não é, precisa ser desfeito. De algum modo, antes do fim.
15/11/2014 - 15h17


sábado, 8 de novembro de 2014

Lições de sábado 161

O mês que passou trouxe grandes mudanças. Em trinta dias, a vida se reconstruiu. O estado iminente de coisas precipitou-se e o que era indefinido, definiu-se. As máscaras caíram todas ao chão. E o indizível ficou suspenso entre a ordem e a ofensa. Quem passou incólume por tamanha cizânia? Acusam-nos do que não fizemos, não compreendem nossos atos, e tomam decisões à revelia. A verdade custa a aparecer, mas quando surge, traz uma feiura consigo. Os rostos não são mais os que conhecemos. São estranhos os que costumávamos chamar de família. E, sem explicações, passamos uma borracha naquilo que ficou pendente, porque todas as dívidas foram pagas ou criaram-se outras. Não compreendemos a falta de amor semeada dia a dia em nossa vida. Em vez de compaixão, vingança. São os elos partidos daquilo que nos foi dado de graça. Trajetória corrigida, só nos resta seguir, pois nada mais nos prende ao que passou.

8/11/2014 - 22h37


sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Lições de sábado 160

Quando um problema de matemática vira uma questão de educação: uma atendente recebe um pedido de pizza com dois sabores, mas não informa que só pode ser meio a meio. Pedem 2/3 marguerita e 1/3 quatro queijos. Ela não entende que isso não é 1/2 e traz a pizza metade de cada sabor. Ao receber a reclamação de que eles não haviam sido atendidos corretamente, ela insiste em dizer que a pizza só pode ter dois sabores meio a meio. Mas como não entendeu a fração, não pôde explicar o erro e se aborreceu. Eles queriam dois sabores, mas não naquela proporção. Tem vezes que a educação é uma questão de proporção. Os fregueses também reclamaram e chamaram o gerente. Ao se aborrecer, a atendente virou as costas e abandonou a mesa, ao que o marido perguntou: "Você sabe o que é 2/3?" Bate-boca inútil, a criança de quatro anos presenciou os pais brigarem por algo que pediram errado e a atendente humilhada, porque não sabia (ou esqueceu) a matemática.

18/10/2014 - 1h18




sábado, 11 de outubro de 2014

Lições de sábado 159

O poeta se cala enquanto espera o novo poema. Os poemas se fazem na ausência de pensamento, e a surpresa faz parte de sua urdidura. O poema traz à tona emoções que estavam escondidas, não o que o poeta disse, mas o que ele fez sentir. O poeta não sabe quando escreverá seu novo poema. E enquanto espera, olha para todas as coisas como se não as conhecesse. O estranhamento faz parte da descoberta do poema. Porque ao tentar explicar o que vê e sente, nasce o poema. Não o que ele pensou escrever, mas o que o poema diz. Tudo é metáfora, como disse Neruda. Há metafísica bastante em não pensar em nada, disse Pessoa. O pensamento constrói uma forma em algum lugar. E o nada não é nada e sim o que não vemos. 

11/10/2014 - 23h19



Lições de sábado 158

Fui a um lançamento da editora na sexta passada, quando minha mãe foi hospitalizada, e parei na frente da estante de guias de turismo, e vi um guia de Paris, me lembrei de mamãe e pensei imediatamente: “Não vou ter mais para quem comprar esses livros”. Tudo que eu achava interessante comprava para ela, fosse um livro sobre história do Brasil, sobre Santos-Dumont, ou Monteiro Lobato. Tudo que eu sabia que interessava a ela, desde livros de receitas e orações, histórias de santos ou dos papas, tudo que pudesse entretê-la. E como todos os assuntos a interessavam, ela poderia ler sobre qualquer coisa. Ela fazia coleção de dicionários. Sobre todos os assuntos. Desde tupi a japonês. De ciência mecânica à astrologia. Tudo era motivo de estudo e pesquisa espontânea. Era a rainha dos dicionários e irmã das enciclopédias. Tudo que não sabíamos, ela dizia para consultar o Aurélio ou a Enciclopédia Britânica, o que hoje seria resolvido com uma olhada no Google. Mas não havia internet e os almoços eram divididos com livros sobre a mesa. A refeição era usada para partilhar as últimas descobertas ou dividir os últimos conhecimentos. Era uma mania da família mostrar saber algo que ninguém sabia. E assombrar a todos. Em contrapartida, éramos loucos para aprender. Isso foi um hábito que durou muitos anos até meu irmão ir para a Europa morar com meu pai. Mesmo assim minha mãe não encerrou suas pesquisas. Acabei de achar numa gaveta recortes de jornal de 2000 sobre tudo que é assunto que pudesse interessar a alguém. Se ela sabia que um amigo estava precisando de algo, logo ela recortava um anúncio de jornal para ele. Encontrei poemas que ela escreveu até julho, quando ela deixou de andar. A letra já estava indecifrável, mas ela achava que podia escrever haicais. Eram mais curtos e rápidos, assim não teria de escrever muito, e a caligrafia frágil encheu uma página de haicais rabiscados. Minha mãe era uma surpresa, impossível legado, pessoa cheia de altos e baixos e extensas planícies. Amorosa sem floreios. Direta e precisa. Se mais não fez, não foi necessário. Teve o tempo para urdir sua semeadura. E deixar em muitas pessoas a sua marca.

9/10/2014 - 9h26


terça-feira, 30 de setembro de 2014

Lições de sábado 157

O amor dá muito trabalho, principalmente as variantes do amor, ciúme, egoísmo, prepotência, ambição, todas ações do ego fingindo que ama. O ego não ama, mas pensa que ama, aí começam os problemas. Quando é amor, não há problema algum.


30/09/2014 - 19h39 


Lições de sábado 156

Traduzir não é trair. É contrair, assimilar o que de mais profundo existe na alma daquele autor e tentar dizer o mesmo em sua própria língua para que os seus entendam, não o que ele disse, mas o que quis dizer. Dizer como se falasse a sua língua.

30/09/2014 - 19h36 



Lições de sábado 155

O verão misturou-se ao inverno e salpicou rajadas de outono para começar uma nova primavera. Os verbos contraíram o cenho e disseram que não tinham nada a declarar. Por que o tempo se confunde e acelera nos melhores dos nossos dias? Não existem coincidências, nem regras para nos manter vivos por mais tempo, mas todos os dias são importantes para se fazer o melhor, sempre o melhor. Não desperdicemos minutos com bobagens. Edifiquemo-nos. Se não temos um mapa de estrelas, podemos usar um bocado de boas ideias. Sempre uma leva à outra, e só o que for verdadeiro permanece.

30/092014 - 19h28


quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Lições de sábado 154

Compor um poema-matriz como outro poema-matriz, falar de uma experiência ancestral como a experiência de todos os homens, o surreal, o fantástico, saltar de uma dimensão a outra, subir uma oitava acima, elevar-se, transcender. Há dias em que tudo isso acontece ao mesmo tempo, lua nova, primavera, hoje mais do que ontem e menos que amanhã, hoje amo-te mais do que a soma de todos os dias, em progressão geométrica, potencializo ao máximo as partículas que cabem em mim e transbordam.

25/09/2014 - 1h



sábado, 13 de setembro de 2014

Lições de sábado 153

Por razões que a razão desconhece, passei horas vasculhando todas as caixas e papéis guardados na minha casa para tentar achar a sentença de separação de meus pais - que não encontrei, mas, em compensação, achei coisas que nunca vira antes, fotos nunca mostradas, porque foram tão guardadas que não entraram nos álbuns. A vida se fragmenta de tal forma que não conhecemos todas as partes. Há coisas que se perdem para serem encontradas um dia por quem nunca pensou ver aquela carta, aquela foto, aquele documento. Lados obscuros e nunca revelados da vida de meu pai. Uma anotação sobre a ex-noiva em 1946. Uma agenda de viagem com impressões de vários lugares por onde passou pelo mundo por quase 20 anos que chega até a mim com a mesma caligrafia que conheço. Coisas que não tive tempo de ver quando me mudei para Copacabana, e ficaram em duas caixas até serem remexidas ontem. Ele de braço dado com Iza no Jardim Botânico, de terno de algodão branco, ela de blusa colorida numa fotografia preto e branco. O que precisamos saber só vem no momento certo, depois de ler as cartas de Iza para papai, e descobrir por que ele se casou com minha mãe, dando causa à minha existência. Uma história de amor, ódio, mentira, traição e vingança nos anos 40. Nem João Corrêa, nem Jean Cândido Brasileiro sabiam disso quando escolheram essa época para criar a dramaturgia de "Breve anunciação", nem eu quando escrevi os poemas que formam os diálogos da peça. Mas tudo tem um propósito, mesmo que não saibamos. Depois de mais uma temporada, e de voltar à história vivida por papai ontem à noite, entendo que os mistérios só levam um pouco de tempo para se revelar, mas um dia saberemos tudo.

13/09/2014 - 19h35


segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Lições de sábado 152

"The pipes of peace", música de Paul McCartney, lembra o episódio ocorrido na noite de Natal de 1914, quando soldados franceses, escoceses e alemães, fizeram uma trégua para comemorá-lo, narrada neste "Feliz Natal", escrito e dirigido por Christian Carion (2006), com atores pouco conhecidos. O momento que mais me impressionou foi terem celebrado uma missa juntos em latim, pois eram ditas assim em qualquer lugar nessa época. E ainda puderam cantar as mesmas canções em inglês, alemão ou latim. As gaitas de foles foram os elementos musicais de contato, unindo o tenor, que era soldado alemão, ao padre escocês que estava tocando a gaita. A história desses episódio é narrado como um conto. Um conto de Natal.

31/08/2014 - 00h30


Lições de sábado 151


POEMA DA TARDE

As tardes eram caóticas contrárias à direção do mar. O mar era um desses lugares onde não se podia chegar. Mas se chegava mesmo assim, de barco, ou ao abrigo das correntes. Descíamos pela encosta para ir mais além, e tudo se portava como da primeira vez: não se sabia de nada. Fingi não ter visto o que via diante de mim. Era óbvio que as horas iriam escoar para dentro do estômago, que digeria toda aquela massa como se fosse pão. O pão das horas. O cálice de vinho. A boca do pecador. Rogai por nós. Assim Deus dissipou os erros. Tornou-os malditos, mas não a nós. Nós pertencemos ao paraíso. Os outros, não sei de onde são. Fugir para dentro das ostras só faz esquecê-las. Casa, lugar comum a todas as pessoas. O elo - há quinze dias morto. Parece que foi há mais tempo. As coisas correm rápidas ou vão devagar. Aprendemos a passar.

27/08/2014 - 4h36




Lições de sábado 150

Português é a língua da alma. Da nossa alma. A língua que atravessou o Atlântico e veio fazer-nos falar. Juntou-se ao tupi, ao iorubá, ao inglês, ao francês, ao espanhol, e saiu essa mescla que nem nós compreendemos, mas sobrevive como uma das línguas menos faladas no planeta, menos que o espanhol, que o inglês, que o árabe. Nossa língua depende só de nós para sobreviver. Eu voto nela. Sempre. Sem corrompê-la. A forma que nos trouxe todos os versos e livros escritos em português. Viva a língua portuguesa! Viva o brasileiro!

26/08/2014 




Lições de sábado 149


Os dias são longos, pois não paramos mais cedo. Estendemos os afazeres num moto contínuo ininterrupto. Queremos resolver tudo de uma vez por todas quando nada se resolve assim. Sempre há um depois. Depois tudo muda e continua. Depois mudamos e vivemos de olho no que fizemos e no que iremos fazer. No que queremos fazer. A vida é sonho. O sonho mais real que já se viu.

26/08/2014


terça-feira, 26 de agosto de 2014

Lições de sábado 148

Incrível como o fim de um processo sempre inicia outro, o fim de um livro faz que comecemos outro, o fim de um relacionamento traz outro mesmo que não procuremos por eles. Só as amizades não precisam acabar para que comecemos outras. Uma amizade sempre puxa outra.

26/08/2014 - 12h29


sábado, 16 de agosto de 2014

Lições de sábado 147

Robin Williams não tinha a menor ideia de como o amavam através de seus personagens. Sempre um deles me volta à mente, seja dançando em cima da mesa na festa de aniversário de seu filho em "Uma babá quase perfeita", seja gritando "Good morning, Vietnam" no microfone para os soldados naquela que foi a guerra de todas as guerras para os americanos, seja em Peter Pan, já crescido, lembrando-se de quando vivia na Terra do Nunca.

Há uma corda que é tocada a cada filme que vemos, e com Robin Williams não foi diferente. O professor de literatura John Keating, em "Sociedade dos poetas mortos", que imita Marlon Brando dizendo a fala da peça de Shakespeare: "Friends, romans, countrymen, lend me your ears!", ou instigando o aluno (o fantástico Ethan Hawke vivendo Todd Anderson) a dizer um texto de improviso. Mas não havia como ele saber disso. Quando alguém entra em rota de colisão, não dá para segurar.

Williams deveria ter aprendido com meu amigo Patch Adams como curar a alma, ou com o psiquiatra Sean Maguire, que trata o "Gênio indomável", vivido por Matt Damon, ou o médico Malcolm Sayer, em “Awakenings” (“Tempo de despertar”), que acredita em um tratamento para Leonard Lowe (vivido por Robert De Niro) para alienação, usando uma medicação que devolve a consciência a todos os pacientes do asilo e fazendo com que se comportem normalmente por algum tempo.

Robin não sabia quanto era amado. Acho que foi isso que faltou dizer a ele antes de escolher o caminho extremo. Sempre me lembrarei dele em seus personagens principais ou secundários (“Voltar a morrer”, “O pescador de ilusões”, “A gaiola das loucas”, “Amor além da vida”, “Uma noite no museu” 1, 2 e 3), em que conseguia colocar toda vez uma dose a mais de genialidade e alegria, mesmo que fosse somente com a voz, como o Gênio da Lâmpada em “Alladin”.  

16/08/2014 - 14h41