sábado, 21 de fevereiro de 2015

Lições de sábado 194

Hoje foi um dia de perdão. Não apenas o perdão que buscamos dar, mas o que queríamos receber. O perdão é só um gesto que tem o condão de transformar o sentimento que estava perdido, de retomar a direção que deveríamos ter seguido e que perdemos no curso dos dias. Basta que um perdoe para que todos perdoem e possam ser perdoados, reaproximando os que se afastaram por essa negligência, por essa falta de perdão. O perdão absolve, dissolve os nós da carne e restabelece o diálogo. O que julgávamos ter perdido é devolvido intacto, como se o tempo tivesse suspendido todos os efeitos da negação. Se hoje perdoei e fui perdoada por quem nem esperava ouvir esse pedido, abranda e aproxima as distâncias que nos impusemos. Tudo que foi dito por erro ou pelo ego. Tudo que foi pensado injustamente. E nos vemos novamente no ponto de partida. Recomeçar é um ponto de partida. Mesmo que nada se possa fazer para mudar o que aconteceu, pode-se mudar o que será feito. Novas palavras serão ditas para remediar o espaço em branco, o vácuo, a cisma, o abismo. E não há outro conforto senão ver novamente próximas as pessoas que pensamos haver perdido. Retomamos a caminhada com a certeza de que o mesmo erro não será repetido.

22/02/2015 - 00h50


segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Lições de sábado 193

"Do amor, não se faz biópsia, só se faz autópsia", disse-me um amigo citando outro. Várias vezes recorri a essa máxima, toda vez que tentava entender o momento que estava vivendo de certo relacionamento. Quando somos capazes de dissecar uma pessoa, ela já morreu. E, por algum tempo, mantemos o luto. E, em outro, mantemos distância. Tentamos entender racionalmente o que não se explica nem pela emoção. A emoção nos trai a todo momento, porque somente guardamos o que foi bom. E temos de nos lembrar o que não deu certo. O que nos tirou da rota e nos desviou do caminho. Que escolhas fizemos para nos proteger. Há homens impossíveis de amar. Por serem incapazes de demonstrar o amor que sentem. E expressam exatamente o contrário. Colocam a raiva e os ressentimentos em primeiro lugar. Não podemos tentar analisar tudo, pois não é uma sessão de terapia. Tentamos, parcialmente, compreender o que falhou, o que faltou, o que nos fez mudar de direção. Um encontro é carregado de expectativas, que se desenrolam suavemente e, por vezes, encontram obstáculos, surgem mal entendidos, criam-se problemas que não prevemos. Nunca prevemos problemas. Sempre temos de enfrentá-los a frio. Sem preparação. E não podemos desfazer as escolhas, nem retirar o que dissemos e o que ouvimos. Se um amor não deu certo, acertamos quando quisemos amar. E quando nos acreditamos amados. E, depois, quando não resta nem mais a ternura que nos aproximou, passamos a desfiar os enganos, os atos inesperados, as acusações esdrúxulas. Partimos. E, nessa separação, nos distanciamos rapidamente do ser que amamos, para passamos a vê-lo como miragem. Como ilusão de um dia ter amado alguém impossível de amar. Por se negar a receber esse amor como o oferecemos. Amor não exige fórmulas. Apenas brandura, porque ninguém é obrigado a ser quem não é, nem a obedecer ordens de um parceiro tirano. Na necropsia, retiramos o coração e o olhamos de perto. O que ele não possui que não conseguimos entender? Nem aceitar? E na mistura estranha de amor e ódio, aquecidos pela falta do ser que queríamos amar, vemo-nos inteiros, a acalentar um tempo que pareceu um sonho e, como de todo sonho, despertamos. 

16/02/2015 - 22h26




sábado, 14 de fevereiro de 2015

Lições de sábado 192

Tudo que fazemos está interligado de algum modo. Seja porque pensamos ao mesmo tempo nas mesmas coisas, ou dizemos coisas parecidas, ou escrevemos poemas que "conversam" entre si. As coincidências querem dizer que seguimos uma linha do tempo, um fio condutor, uma sequência que nos coloca na trajetória de outras pessoas. Os "acasos objetivos" de Breton explicam por que estamos num lugar e não em outro para encontrar quem devemos conhecer. E ao mesmo tempo nos livrar daquilo que não devemos padecer. Ninguém tem mais sorte do que outros. Todos estão no mesmo plano de igualdade, embora não seja aparente. Por isso a inveja é uma perda de tempo. Cada um está onde deve estar, e não em outro lugar onde desejaria. A escolha faz parte disso, mesmo as inconscientes. Temos uma missão a cumprir no meio desses acasos, coincidências e encontros gratuitos. Nada acontece por acaso. E mesmo os acasos objetivos têm um motivo. E não devemos lamentar o que não aconteceu. Pode estar sendo protegido de algo pior. Quando algo não dá certo, não devemos lastimar. Melhor antes que depois. Depois pode ser muito mais complicado desfazer. Recomeçar do zero, às vezes, é a melhor opção.
14/02/2015 - 17h58


domingo, 8 de fevereiro de 2015

Lições de sábado 191

Na vida, temos muitos amores. Ainda bem que podemos amar tantas pessoas. Encontrá-las é o que basta para começar a amá-las. Algumas surgem de surpresa, sem que esperemos conhecê-las. Outras já estão ali, sem que percebamos. Mas toda vez que conhecemos alguém importante, há um sinal para que prestemos atenção. Às vezes, é uma palavra, outras, é um gesto. Mas não deixamos de amá-las se não as vemos, porque continuam presentes em nós, como se as víssemos todos os dias. Algumas não vemos por muito tempo. E ao reencontrá-las é como se tivéssemos nos visto na véspera. E há outras em que nos vemos todos os dias por algum tempo. Depois elas se vão. Mas aquele período ficará gravado como um capítulo em nossas vidas. Inapagável. Há os que vêm e ficam, há os que vêm e se vão. Nada dura para sempre. Mas os amigos que ficam por mais tempo são os que temos o prazer de desfrutar de modo permanente. "Nada é mais extremo que a permanência", escrevi num poema. E nada se compara ao tempo que passamos com nosso amigo. Sobre isso já tinha lido em "O Profeta", de Khalil Gibran, sobre a Amizade. Sempre lembro das imagens que invocou para explicar a amizade. "Quando vos separais de vosso amigo, não vos aflijais. Pois o que vós amais nele pode tornar-se mais claro na sua ausência, como para o alpinista a montanha aparece mais clara, quando vista da planície". Amigos vêm e vão. Podemos conhecer mais pessoas, fazer mais amigos, mas aqueles que temos mais perto de nós nunca se afastarão.

8/02/2015 - 15h50