quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Lições de sábado 353

Natais vêm e vão e sempre me lembro de Machado: teria mudado o Natal ou teria mudado eu? O Natal mudou, com certeza, desde que foi inventado no século IV para celebrar o nascimento de Cristo, ocupando a mesma data de um sabá celta com significado semelhante, mantendo a árvore como seu símbolo e inventando o bom velhinho vestido de vermelho, conduzindo um trenó puxado por renas que vinha do Polo Norte, tudo por causa de um poema inglês que falava da véspera de Natal, nada a ver com São Nicolau, de onde vem o nome, Santa Claus, que salvou três meninas de se prostituírem a mando do pai na Turquia, dando-lhes um dote, colocado num saquinho na janela, para que pudessem se casar. E quanto mudei eu? Do primeiro Natal em Boston, aos cinco meses de idade, depois em Nova York, aos 15 anos, em São Paulo, nos anos 90, no Rio desde 1999. O quanto mudei só eu sei. E a cada Natal, certos valores continuam os mesmos. A celebração pode ter mais presentes eletrônicos ou eletrodomésticos, novas televisões plasma ou fornos elétricos. Não para mim. Natal é um dia de ficar quieto, preparando o novo Ano que começa. Por isso um papa mudou o Ano Novo para perto do Natal no século XVI, tirando-o de 1o. de abril e colocando-o em 1o. de janeiro, e inventou, sem querer, o Dia da Mentira, de algo que um dia foi verdade.
5/12/2018 - 11h25


sexta-feira, 12 de outubro de 2018

Lições de sábado 352

Nunca mais,
nunca mais teremos a sombra
do velho abacateiro,
que suportava nos ombros
o peso dos seus frutos.

Nunca mais haverá sombra,
nem frutos. Nem sementes
para novas árvores.
Nunca mais o vento
poderá visitar as folhas
e embalá-las com seu sopro.
Nunca mais a chuva
trará o frescor para abrandar
a inclemência do sol.
Nunca mais veremos
o velho abacateiro no horizonte,
acenando com seus galhos
erguidos para o céu.
Ele ardeu no fogo
que consumiu a sua existência.
Não tombou, mas não dá mais frutos.
A centenária árvore se despediu de nós.
Thereza Christina Rocque da Motta
4/09/2018 - 12h
Dois dias após o incêndio do Museu Nacional
Postado em 12/10/2018, 200o. aniversário de nascimento de D. Pedro I.
Dia de Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil. 


sábado, 18 de agosto de 2018

Lições de sábado 351

Várias histórias falam de princesas. E muitas são noivas que se casam. Até a lenda de São Jorge inclui uma donzela que é salva do dragão. Ainda tem as que não querem se casar, ou que traem o noivo, ou o marido, como Guinevere, ou Isolda, ou as que são fiéis até na ausência, como Penélope, tecendo um manto que não termina. Todas essas mulheres confundem-se com as princesas e rainhas, sempre em viagem, numa torre, forçadas a se casar com quem não querem, ou que perdem o amado numa guerra. As histórias reais se misturam com os mitos, mesclando pessoas e deuses mitológicos, nórdicos, gregos ou romanos. E as histórias reais que contadas parecem mitos. E a elas se juntam as santas, como Bárbara, Úrsula, Isabel, que também princesas, tinham uma missão divina.

No Brasil, temos a história de uma noiva, cujo futuro marido foi preso uma semana antes do casamento e nunca mais o viu. Gonzaga ficou preso três anos e foi degredado para Moçambique por causa da Inconfidência. Marília implorou para acompanhá-lo à África, mas não lhe permitiram. Entrou num convento e se tornou noviça. Há sempre uma história de uma princesa (as histórias de princesas são incríveis) a quem é negado algo e que tem que sublimar tudo para poder sobreviver. Princesas não deveriam sofrer, mas cumprem uma missão por serem quem são.

Uma delas viajou para se casar a pedido do noivo que ficara viúvo, cuja mulher, antes de morrer, exigira que ele se casasse com uma princesa da mesma família que ela. Kokejin era filha de Kublai Khan e foi entregue a Marco Polo, seu pai e seu tio para levá-la até a Pérsia atravessando o Mar da China. Viajaram por três anos. E ao chegarem lá, depois de enfrentarem tempestades, calmarias, piratas, naufrágios e incêndios, casou-se com o filho do noivo, pois este morrera antes de ela chegar. Só que ela não viveu muito tempo após Marco Polo partir para a Itália. Ela morreu de parto dois anos depois. Assim, o auge de sua vida, a primeira e única vez que saiu de casa, foi aquela viagem para se casar. E Marco Polo tinha a incumbência de entregá-la em Ormuz, intacta, e assim o fez. Ela se chamava Princesa Azul, pois seu nome quer dizer "tão linda quanto o céu". Polo nunca soube quando ela faleceu, mas até o fim da vida guardou as joias e tiara que lhe deu em gratidão.

Outra (esta história também é real) conheceu seu futuro marido por causa de um poema que ele lhe enviou. Trocaram cartas por algum tempo e ele foi visitá-la. Quando se viram, já estavam apaixonados. Ela era mais velha do que ele, mas isso não importou. O pai proibira a ela e seus irmãos de se casar. Ela ignorou a proibição. Casou-se secretamente com o poeta e fugiu com ele para a Itália, onde viveram por quinze anos em Florença, até ela morrer, por ter uma saúde muito frágil, mas não antes de dar a ele um filho, Robert Barrett Browning.

A história real mais triste é de uma aluna de teologia de dezessete anos que se apaixonou pelo seu professor, um padre que havia feito apenas os primeiros votos, que era vinte anos mais velho do que ela. Tiveram um filho e casaram-se em segredo na capela onde foi erguida depois a Igreja de Notre-Dame, no século XII. Mas isso de nada adiantou. Seu tio mandou castrá-lo. Ela se tornou freira, ele fez seus votos finais, e o filho, Astrolábio, foi criado pela tia, irmã de Abelardo, na Normandia. Depois de quinze anos, Heloísa escreveu para seu amado e disse que ainda o amava. Ele, resignado, respondeu que tudo o que lhes aconteceu foi para que servissem melhor a Deus. Ele morreu, ela pediu seu corpo para enterrá-lo no convento onde se tornara abadessa e, vinte anos depois, antes de morrer, pediu para ser enterrada ao lado dele. Em 1818, seus restos foram levados para o Père Lachaise, onde construíram um mausoléu sob uma castanheira, com suas efígies deitadas lado a lado.

Toda história de amor comove, seja fictícia ou real. A ficção se baseia em uma realidade, e as histórias reais repetem traços da ficção. Poderia ser uma lenda, poderia ser um conto de fadas, poderia ser um romance, mas muitas são reais, e povoam a nossa imaginação. Princesas ou não, todas as mulheres têm um destino. Seja como a Princesa e a ervilha, que passa por um teste para ser escolhida, ou Aurora, que vive duras provas até ser salva por um Príncipe encantado, repetindo o mesmo percurso de Psique apaixonada por Eros, sofrendo com as maldades de Afrodite.

O amor move a terra e as estrelas. Se não fosse assim, Dante não teria sua Beatriz, nem Lancelot sua Guinevere, nem Sheherazade teria contado as histórias das Mil e Uma Noites para o sultão. Todos os poetas, músicos, pintores, reis, príncipes, escultores, duques, condes, escritores têm sua musa inspiradora, seja nobre ou plebeia, santa ou rameira. Baudelaire teve sua Jeanne Duval, Modigliani sua Jeanne Hébuterne, Rodin sua Camille Claudel. A paixão nos dá a direção que devemos seguir. Sejamos princesas ou não, rainhas ou cozinheiras, donas de casa ou executivas, somos as apaixonadas amantes de homens que existem para nos amar.

Nem todas as histórias terminam bem. Mas como nos contos de fada, devemos vencer os dragões, vilões, bruxas e perversos. Por isso acreditamos nas histórias que lemos: todas são reais ou podem se realizar.

18/08/2018 - 19h38 - Aniversário de 18 anos da Ibis Libris Editora






domingo, 8 de julho de 2018

Lições de sábado 350

A poucos dias do meu aniversário, me pergunto o que tento fazer que nunca acaba? Há várias coisas concluídas, sim, mas muitas mais a fazer, que não me deixam ver o que vem à frente, e pouco posso planejar. Sou assoberbada a todo tempo pelo que precisa ser feito para a sobrevivência, de imediato, o que ficou pendente, o que não tive tempo de fazer, e ainda restam coisas inconclusas. O livro que nunca comecei, aquele que ainda não terminei, o que falta arrematar, o que está esperando edição, embora estejam prontos nas gavetas (gavetas digitais). Me perguntaram o que eu amo que não faço mais. Lembrei do balé clássico que abandonei aos 27 anos, do violão que deixei de tocar aos 18, embora guarde-o comigo até hoje, bem como as últimas sapatilhas. A única coisa que eu nunca abandonei (e que nunca me abandonou) foi a poesia, que me levou a fazer livros, a conhecer pessoas e a lugares que nunca esperei ir. A poesia me trouxe uma outra forma de sustento para a qual eu não havia me preparado. A Faculdade de Direito, a Cultura Inglesa, a Aliança Francesa não previam a publicação de livros. E no entanto foi o que eu aprendi a fazer quando ainda cursava Direito: a me publicar e publicar os outros. Muitos anos depois isso se revelou como minha vocação e meu ganha-pão. Fazer livros é um trabalho que precisa de dedicação. E nesse processo estou sempre concluindo um livro e começando outro, enquanto reviso um terceiro e quarto livro que se acumularam. Isso para não falar das traduções. Em cima da mesa hoje tenho vinte livros, cada um numa etapa diferente. Fora os 14 que já fiz este ano, entre inéditos e reimpressões. E por isso tenho a sensação de não conseguir terminar nunca, embora conclua cada um a seu tempo. Quatro chegaram da gráfica, e mais quatro foram enviados para impressão, enquanto mais quatro esperam revisão, e outros quatro estão sendo diagramados. Cansou? Imagine eu. Por vezes quero fazer menos. Outras, abandonar tudo. Mas existe o fio de responsabilidades que permanece quase inalterado. Dívidas que não acabam, uma herança de duas décadas que ainda estou pagando. Quando termino uma, outra surge, quase sem querer. Então o passivo continua maior do que o ativo, nessa rolagem de dívidas sem fim, tudo por causa de um tombo financeiro (o último) em 1998. Vinte anos se passaram e ainda espero a mão milagrosa que me tire desse fosso (aumentado pelos desmandos econômicos). À beira dos 61 anos, ainda me pergunto onde terminará essa roda-viva para me dar um pouco mais de tranquilidade. Sempre despindo um santo para cobrir outro. Um cobertor curto demais. E, apesar disso, ainda tenho tempo para a poesia. Não é à toa que não consegui mais dançar, nem cantar, nem tocar violão. Não houve mais tempo. O tempo foi todo tomado pelos livros e pela sobrevivência que eles me dão. E a poesia continuou sendo meu principal alimento. 

8/07/2018 - 10h30     


sábado, 30 de junho de 2018

Lições de sábado 349

"Arbeit macht frei". O trabalho liberta. Quando ouvi falar de Auschwitz pela primeira vez, não podia imaginar o que judeus e não judeus passaram ali. As minorias étnicas, como eram chamadas pelo Terceiro Reich de Adolf Hitler, estavam sendo lentamente dizimadas durante os seis anos de guerra e não havia nada que se pudesse fazer para protegê-los. Levados em vagões de gado, depois de vários dias de viagem, eram despejados em campos de concentração, para trabalhos forçados ou para morrer nas câmeras de gás e terem seus corpos cremados nos fornos, ironicamente chamados de "padarias". Dali não saíam pães, mas cinzas, que faziam parte da "Solução Final", que Hitler e seus seguidores engendraram para eliminar aqueles que não pertencessem à "raça ariana". A Segunda Guerra Mundial assumiu contornos inexplicáveis à medida que o exército alemão avançava nos territórios vizinhos, primeiro "anexando" a Áustria e depois invadindo a Polônia, onde ficavam os campos de Auschwitz e Birkenau, relatado no livro "Cinco chaminés", de Olga Lengyel, que acabo de traduzir. Nunca tinha lido um livro sobre a guerra ou os campos de concentração, pois me bastaram os inúmeros filmes a que assisti, mas nada como um livro para colocar todos os pingos nos is. E os livros mais publicados ainda são sobre a Segunda Guerra. O período de 1939 a 1945 ficou imantado nas mentes e corpos humanos que o atravessaram e ainda fascinam os relatos sobre as estratégias para dominar o mundo e saqueá-lo, extirpando-o de todos os seus bens. Para combater os alemães, italianos e japoneses, que formaram o Eixo, o mundo precisou inventar máquinas e bombas para derrotá-los. Graças aos cientistas e inventores da época, foram criados ou aperfeiçoados os submarinos, os detergentes, os computadores, os paraquedas, a esferográfica e a bomba atômica, entre outras maravilhas do século 20. Mas o sofrimento e o esforço humano para sobreviver à guerra, a Resistência francesa, as conspirações e a espionagem para derrubar o Führer extrapolaram todas as medidas conhecidas. E os fantasmas da guerra ainda nos assombram, mesmo com o aviso de seis milhões de judeus mortos de que não se pode permitir que isso se repita. Depois de traduzir esse livro, ainda sonhando com Auschwitz-Birkenau, um campo de trabalho e de extermínio lado a lado de uma estrada de ferro, eu me pergunto como foi possível que isso acontecesse. Na história da Humanidade, continuamos pasmos diante de atrocidades desse tipo. O culto da maldade parece não ter cessado no pós-guerra. A Alemanha terá sempre essa mancha - e terá de se redimir por todos os que sofreram por isso. A pintura de Gustav Klimt, de Adele Bloch-Bauer, é um símbolo dos quadros roubados pelos nazistas, que somente foi restituído após uma batalha judicial. Há muitos outros que não foram devolvidos ou continuam desaparecidos. Por mais que se estude e leia sobre o período da Segunda Guerra Mundial, há muitos mistérios que ainda não foram revelados.

30/06/2018 - 11h07

segunda-feira, 23 de abril de 2018

Lições de sábado 348

O que aprendi traduzindo Shakespeare

Eu não fazia ideia do que iria aprender com Master William ao longo dos seus 154 sonetos publicados juntos em 1609, pouco antes de morrer, em 23 de abril de 1616, na mesma Stratford-upon-Avon onde cresceu aos cuidados de sua mãe amorosa, e se casou com a dedicada Anne Hathaway, que lhe deu todos os filhos que teve, a começar pela mais velha, Susana, preocupando-se em casá-la antes de partir desta para a melhor. Muito se tem dito sobre Shakespeare mesmo sem o menor fundamento. E muito não se sabe sobre ele, mesmo tendo escrito as peças que mais influenciaram as pessoas, até aquelas que não as assistiram. Quem não sabe o antigo bordão: “Ser ou não ser, eis a questão?” Poucos sabem de onde vem e por quê. Há mais meia dúzia de frases célebres da mesma peça “Hamlet” que todos repetem sem saber de onde vêm. E, no entanto, estão, no dia a dia, um punhado de palavras e expressões cunhadas por ele. Ele era genial. Tanto gênio não pode ser sub-rogado por ninguém. Ele não era outro. Foi o que descobri ao traduzir os sonetos. É a maior confirmação de sua existência: mesmo que tenha deixado a bela obra para o teatro, era nos sonetos que ele se divertia, sofria, amava, bordava e pintava. Muitas vezes, durante a tradução, eu me sentia transportada para algum lugar há 400 anos, e voltava de lá descansada. Houve dias, durante dois anos, em que traduzia três sonetos de uma vez, outros, seis, mas houve um em que eu estava tão cansada que precisei traduzir treze para conseguir relaxar. Traduzi-los valeu a pena. Mil livros vendidos depois e ainda reimprimindo e vendendo, descobri que Shakespeare tem a condição dos sábios, de dizer muito com poucas palavras, que continuam repercutindo na mente como um mantra. Tudo está em Shakespeare e Shakespeare está em tudo. Do “Ser ou não ser” a “Há mais mistérios entre o céu e a terra, Horácio, do que sonha a sua filosofia” (sem vã, que foi invenção do tradutor), William Shakespeare consegue estar presente em todos os setores da atividade humana, servindo de epígrafe, epitáfio, legenda, citação para um monte de coisas e pessoas, da filosofia à política, do amor à morte. Viva Shakespeare por ter feito tanto por todos.
23/04/2018 - 12h23


domingo, 1 de abril de 2018

Lições de sábado 347

A mentira é contumaz. Quanto mais ela avança, mais se torna ousada. Nada teme, mesmo quando pega em flagrante. O mentiroso não se esconde. Só disfarça. Sempre terá a audácia de voltar e manter a mentira. O mentiroso não se arrepende das mentiras que contou. Segue incólume, porque sempre terá quem acredite. Até tem um dia só pra mentira (que um dia foi verdade).

1/04/2014


Lições de sábado 346

Toda vez que entro numa livraria, ligo um radar, como se estivesse pronta para ver algo que nunca esperei encontrar. Só que não é consciente. Mas como já aconteceu várias vezes comigo, eu sei que basta entrar numa livraria para esse fenômeno se repetir. Sempre puxo um livro que nem imaginava existir. Estranha capacidade dos livros de nos chamarem de onde estão, imóveis em sua estante, como se falassem conosco por telepatia. "Venha, venha", eles dizem, mas num tom tão imperceptível, que não prestamos atenção no que estamos ouvindo, só quando já o temos na mão é que entendemos a mensagem. Livros têm poderes que nem suspeitamos. Carregam histórias de vidas. Carregam mensagens, segredos, revelações e mistérios. Um livro não é vencido pelo tempo. Pode levar uma eternidade, mas um dia será lido. E não é preciso ler todos os livros do mundo (nem aquela lista dos 100 melhores da BBC) para dizer que leu - eles só serão lidos se tiverem utilidade. Se forem inúteis, nunca serão lidos - e sim outros muito mais úteis para nós. Os livros que não li, eu não precisei ler, já que nunca sentiram minha falta. O livro que precisei atirou-se em mim. 
1/04/2018 - 10h40


sábado, 31 de março de 2018

Lições de sábado 345

Eu nunca confundi histórias de livros, mas já confundi cenas de filmes, pensando que um personagem estava num filme que na verdade era outro. Como também já escrevi três livros ao mesmo tempo e sabia em que livro entravam os poemas. Como se houvesse escaninhos na minha mente e ia escrevendo paralelamente cada livro, e terminei os três ao mesmo tempo. Quando acabei de escrever, pensando estar satisfeita, escrevi um quarto livro, numa tarde, no dia seguinte, 22 poemas em três horas e meia, inspirados em "The Waste Land", de T. S. Eliot. E era Bloomsday, 16 de junho de 1997. Inesquecível.

31/03/2018 - 11h10


quinta-feira, 29 de março de 2018

Lições de sábado 344

Eu tinha seis anos e meio de idade em março de 1964, e assisti, junto com meus pais, o desenrolar dos acontecimentos que se precipitaram no 1o. de abril, com o exílio de Jango e a saída de todos os políticos do cenário brasileiro de então. Sobrevieram 20 anos de ditadura militar, que só se desfez com a Abertura em 1984, quando retomamos o governo civil no Brasil. O país sempre viveu entre golpes, tendo começado sua República com uma quartelada, promovida por um ciumento Deodoro. Depois foi a Revolução de 30, o Estado Novo de 37, a renúncia de Getúlio em 45, a eleição em 50 e o suicídio em 54. Os anos que se seguiram deslizaram entre o ufanismo e a galhofa, mas foram os anos dos 50 anos em 5. Nasci no governo JK, mas logo depois Jânio Quadros tentava outro golpe que não deu certo, com uma carta de renúncia que não deveria ter sido usada. Como um bilhete de suicídio que não deveria ter sido lido. Saltamos para os anos 90, quando Collor traiu seus eleitores descontando uma nota promissória alta. Caiu em dois anos de governo. Seu oponente, Lula, usava caneta BiC e não a Montblanc de Collor, mas foi mais longe em sua ambição política. O que vemos agora é o desmantelar das estratégias usadas para ascender ao poder e perpetuar-se como líder entre as massas. Um bufão em causa própria. Dilma nem é protagonista. É atriz coadjuvante de um circo armado em Brasília. Vejo os deputados na Comissão Especial de Impeachment se debaterem por "questões de ordem", falando um português acidentado. O desembarque do PMDB me lembra o Dia D, o desembarque na Normandia, quando Hitler começou a perder a Segunda Guerra. Não queremos golpe, mas o Brasil vive de golpes, contra o bom senso, contra a economia, contra os cidadãos. Não é preciso ser político para entender que algo vai muito mal. E assistir a essa novela só nos deixa cada vez mais perplexos e apreensivos, porque não temos as sinopses dos próximos capítulos. Vivemos um momento histórico como todos que já aconteceram, só que este é agora. Meu pai foi diplomata, minha avó deputada estadual constituinte de 34, meu tataravô presidente da República de 1894 a 1898. A História do Brasil não pode ser tratada como se fosse utensílio de segunda mão. Vivemos um momento grave e só sairemos dele com muita seriedade e tino.

29/03/2016 



Lições de sábado 343

Às vésperas dos 54 anos de 1o. de abril de 1964, não sabemos como chamar a presente intervenção militar. Se adiantou ou não, chegamos à conclusão que muito pouco adianta no Brasil, onde os esforços são esvaídos por sucessivas estocadas contra a ordem e os bons costumes, a lei e o bom senso. Bandido nunca esteve tão à vontade. A corrupção para se instalar tem dois lados. E está há tanto tempo arraigada, que, ou se extirpa o mal, ou se mata o paciente. Pôr um freio aos atentados, às mortes, aos extermínios, à deflagração geral de insatisfação é uma necessidade. Desde 1964, esperamos que isso aconteça. E só acontece o oposto do que se pensa que deveria acontecer. Após o governo militar, o propalado governo democrático amealhou os mesmos corruptos e corruptores de antes do Golpe de 64, que se transmutaram para o novo governo. Ulysses Guimarães, ao discursar sobre a Constituição de 1988, pretendia que ali se inaugurasse uma nova era, que estava prestes a se extinguir nos 30 anos seguintes. Mal sabia ele que, em 1992, se iria com os peixes do mar, carregado pelas mesmas sereias que aturdiram o protagonista da Odisseia. A nossa pátria tão desvalida não merece, nunca mereceu maus governantes. Entre o mau e o pior, queremos ficar com o menos ruim. Somos capazes de humanidade. Por que não exercê-la?
29/03/201/ - 8h41


sábado, 17 de março de 2018

Lições de sábado 342

A criatividade não se esgota, ela reflui, para poder fluir novamente. É como a maré, alta e baixa, como o rio, em cheia e em estio, não se pode pensar que nunca mais haveremos de criar, porque a própria criação é sazonal. E só é poeta aquele que acredita que nunca mais irá escrever, e volta a escrever quando nem pensa que faria isso outra vez.

17/03/2018 - 10h31


quarta-feira, 14 de março de 2018

Lições de sábado 341

Não lamente a morte, não, não lamente. Lamente só quem você não encontrou e quem não teve por perto por mais tempo. Quem tem que partir, que parta. Não atrase o caminho dos que têm que ir. Lamente só o que em vida não se deu. O que em vida não se pôde fazer. Mas a morte, esta passagem para o que não sabemos, essa é ilamentável. Não se chora sobre o leite derramado, nem sobre quem aqui não pode mais estar. Se tem que partir, que parta. Mas enquanto ficar, que não se vá de perto de nós.
12/03/2018 - 19h40



sábado, 3 de março de 2018

Lições de sábado 340

O que aproxima e afasta as pessoas são as palavras. O que as torna célebres ou nefastas. Elas são o que dizem, não o que dizem ser. Um poeta se conhece por um poema, um romancista por um título ou uma frase de seu romance. E as palavras viajam no tempo grávidas de sentidos e significados. O que ela quis dizer antes não é o que diz agora. E a raiz de uma palavra dá sentido ao que dirá no futuro. Bebamos as palavras. Sejamos o que elas dizem. Pois se Deus era o Verbo e o verbo era Deus, então Deus está nas palavras, como em toda a criação.

3/03/2018 - 9h30




Lições de sábado 339

"Uma maçã estragada apodrece um barril de maçãs". Devemos aprender pelo exemplo. Pelo bom exemplo. Quando não há, o mau serve. Se for preciso mudar de mão, comece de novo. Reinvente. Nada é simples, nem para quem tem tudo. Não deite sobre os louros. Eles definham. O rio tem águas constantes. Mutantes. Acredite no renascer. Refazer. Renovar. Enquanto não souber o que fazer, não faça nada. Até surgir a resposta, pois seu coração continuará perguntando qual é a saída. Há coisas sem explicação ou sem solução. E o que não tem solução solucionado está. Espere. "A espera é que é magnífica", disse Breton. Enquanto não souber, espere. Em algum lugar, a semente germina. E chegará o tempo da colheita.
24/02/2018 - 15h42


quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

Lições de sábado 338

Somos apenas um prolongamento de nós mesmos ao longo do tempo. O que fomos em criança perdura em nós como uma música ouvida ao longe. O que vivemos na infância, adolescência e juventude, perpetua-se como um hino, um coro de anjos, uma lembrança, uma saudade, às vezes, uma dor, um incômodo, um pensamento que passa de raspão que tentamos guardar ou afastar. Tudo isso se dissolve na idade adulta. Os compromissos, a família, os filhos, os amigos, as obrigações, as dívidas, as perdas, os ganhos, os acontecimentos, as realizações, os fracassos, os desentendimentos, as invejas, as inimizades, as chances, as oportunidades perdidas, os erros, os acertos, as escolhas, as ações, as omissões, as palavras, os silêncios, tudo colabora para que a vida adulta se torne um tédio ou um pesadelo, dividindo espaço com as alegrias e as boas surpresas. Lutamos, ou melhor, acreditamos lutar contra adversidades, azares, mentiras, calúnias, injúrias, insultos, difamações de todo tipo, por pessoas que nem deveriam estar ali, mas estão. "Traga seus amigos perto e seus inimigos mais perto ainda". A distância dos obstáculos não os elimina, mas não teremos de superá-los. Seja mais brando consigo mesmo. Ninguém nasceu para a perfeição, mas para compreender seus defeitos. E, na imutabilidade do ser, mudamos para nos tornarmos nós mesmos. 

8/02/2018 - 9h55  


quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

Lições de sábado 337

Era outubro de 1966. Eu tinha nove anos e estudava no Chapeuzinho Vermelho, em Ipanema, quando A Banda ganhou. Estávamos preparando a festa de final de ano da turma, quando a professora de música, Tia Gelre, veio correndo pra dizer que A Banda tinha ganhado o festival na noite anterior. Decidiu-se, então, que iríamos homenagear A Banda. E cada criança iria representar um personagem. O homem velho, o faroleiro, a moça feia, a namorada. E eu fui escolhida para ser a Lua. Então, de repente, A Banda passou a representar para mim algo que eu não esperava. Eu era a Lua da Banda. Minha mãe mandou fazer um vestido de organdi amarelo com florzinhas para combinar com a personagem. E na hora em que se falava que a "Lua cheia que vivia escondida surgiu", eu me levantava com uma imensa lua de cartolina pintada de amarelo. Ano passado, me pediram para fazer o poema e senti que era isso que eu tinha de contar. Mas só que de um jeito poético. Foi o que saiu.

QUANDO A BANDA PASSOU
para Alice, de aniversário

Quando A Banda ganhou,
o tempo parou
e parou todo mundo pra ver:
quem estava à toa
quem namorava
quem sofria
ou contava as estrelas.
Nem a moça nem a rosa
nem ninguém se sentiu triste
e a meninada continuou a brincar.
O cansaço do velho passou,
a moça feia sentiu-se bela
feito Carolina na janela.
O homem sério sorriu,
o faroleiro calou
e a marcha alegre enfeitou toda a cidade.
Que desencanto doce lembrar
que A Banda passou.
Mas eu era menina
e não sabia que eu era
a lua.

22/07/2003 – 20h00
In “Chico Buarque do Brasil”, Ed. Garamond, 2004


sábado, 20 de janeiro de 2018

Lições de sábado 336

Abri um livro de Joseph Conrad (1857-1924), "Nostromo", e encontro uma citação de Shakespeare antes da folha de rosto: "So foul a sky clears not without a storm", que quer dizer "Um céu tão tormentoso só clareia após uma tempestade". Essa citação vem da peça "Rei João", Ato 4, Cena II, dita pelo rei a um mensageiro que lhe traz más notícias. A relação com o livro está ligada à política, guerras civis e intervenção estrangeira. O romance é marítimo e a edição é de 1947, com primeira impressão em 1904. Em capa dura, com a assinatura do autor impressa nas capas internas, mostra ser uma edição especial. A edição inglesa é de J.M. Dent and Sons Ltd. e tem um subtítulo, "A Tale of the Seaboard" ("Um conto marítimo"). Shakespeare influenciou muitos autores ao longo desses 400 anos após sua morte, com poemas e peças que se repetem sempre sob uma nova luz. "Ricardo III" corresponde aos ditadores que querem tomar o poder a qualquer custo. "Romeu e Julieta" veio de um poema que Shakespeare aperfeiçoou e transformou na sua melhor peça sobre o amor e o ódio. Pequenas referências literárias nos conduzem à nossa vivência diária e transpomos os limites entre o real e o imaginário. A citação usada por Conrad é um mistério ligado ao livro estudado por críticos. A discussão é: a que guerra Conrad se refere? Irving Howe diz que, em "Politics and the Novel" (1957) sobre "Nostromo", que "o progresso veio do caos, mas é um tipo de progresso que leva de volta ao caos".

20/01/2015


terça-feira, 9 de janeiro de 2018

Lições de sábado 335

Quando lhe disserem que algo é impossível, e você sabe que não é, e se põe a fazer, saiba que, se der certo, é porque você tinha razão e, se não der, é porque não era para ser. Muitas coisas que fazemos são destinadas ao fracasso, porque simplesmente não se aplicam. Outras, essas que são bem sucedidas, só acontecem por um motivo: eram para acontecer, apesar de todos os prognósticos em contrário. Há coisas que ocorrem mesmo que nada façamos para isso. E outras que só acontecem, porque nos mobilizamos para fazê-las. É a relação espaço-tempo que determinam os acasos objetivos que levam à sucessão de eventos para que algo ocorra. Eu não estaria aqui se não tivesse de estar, e outros não estariam onde estão se não tivessem alguma função - o acaso é regido por leis próprias e inatingíveis. Então, antes de se perguntar "por quê?", pergunte-se "para quê?". Para que serve determinada coisa (ou como dizia a cantora francesa Françoise Hardy, "À quoi ça sert?") é mais importante de por que determinado fato ocorre - ocorre simplesmente para que algo se faça, aconteça e se realize, e isso não tem nada a ver com a nossa vontade - apenas é. 

9/01/2018 - 20h47




Lições de sábado 334

Acho incrível como um livro pode nos acompanhar a vida inteira, desde a mais tenra idade, sem se perder. Há outros que se perderam, e que nunca esqueço e que penso que um dia vou reencontrar. Há livros que vivem se perdendo de mim, mas que sei que estão em algum lugar, reencontro e perco de novo, sem nunca conseguir ler. Há livros que não querem ser lidos, simplesmente isso. E outros que você nunca esquece, mesmo sem ter lido de novo. E há livros que quando relemos descobrimos coisas que não lembrávamos. Livros são como pessoas, alguns inesquecíveis.

9/01/2018 - 12h34


Lições de sábado 333

Saiba, precisamos de ontens e hojes, como precisamos de amanhãs. Precisamos de agoras e de momentos, de instantes e segundos, precisamos de horas e dias, como precisamos de meses e anos, mas nunca precisamos tanto de pessoas, essas que fazem os dias, meses, anos, momentos, ontens, hojes e amanhãs tão importantes. Precisamos de nós. Só nós vivemos como se não tivesse amanhã. Feliz ano novo. Feliz 2018.
30/12/2017 - 17h09