sábado, 15 de junho de 2019

Lições de sábado 362

Afinal, a poesia serve para quê?

Poesia é essência e, como tal, deve ser tratada com cuidado. É o que está guardado no cerne das coisas, onde elas estão sós, e em silêncio. A poesia alude quando não diz o que é. Ela aponta sem mostrar direção. Ela faz compreender o incompreensível, e torna o invisível, visível. Entendi mais coisas lendo poesia do que lendo livros de histórias. Fui mais fundo em minha alma quando entendi um poema e ele me atravessou com sua ponta fina e instigante. A pergunta correta é: eu sirvo para a poesia? Eu sirvo a ela do modo como ela me serve? Do modo como ela me traz tudo de bandeja e mão beijada? Ela me trouxe livros, me trouxe amigos, me levou a lugares lindos, só porque eu escrevia poesia. Por causa dela, atravessei oceanos. Nada me levou mais longe. Por causa dela, um livro meu está na Biblioteca de Moscou, onde eu sei que nunca irei. A minha poesia vai aonde eu não vou. Ao lerem o que eu escrevo, eu estou lá. Ao ler um poema, o poeta está aqui. Ele ressurge, revive, retorna. A voz de um poeta não morre, embora o poeta tenha nos deixado há milênios. A poesia serve como chave, como enigma, como tesouro, como lucro, como sorte. Tenhamos a sorte de encontrar o poema que nos diga aquilo que precisamos ouvir, que nos dê a chave para abrir a porta diante de nós, nos revele o segredo contido no enigma, e nos faça encontrar o tesouro escondido na praia. Esse lucro colocamos no coração que trazemos no bolso da blusa e nunca mais o perdemos. Um tesouro guardado no céu, onde nenhuma traça rói, nem ladrão rouba. Da poesia que lemos, ninguém nos tira. Que eu sirva a ela tanto quanto ela serve a mim, ou mais. Para que, através das palavras que escolho, eu diga o que preciso dizer.

15/06/2019 - 13h35  





sexta-feira, 14 de junho de 2019

Lições de sábado 361

Mais um Bloomsday
James Joyce passou a oferecer jantares todo 16 de junho para comemorar a efeméride literária de "Ulysses", fazendo leituras de trechos de seu livro, que começara a escrever na Itália e terminou quase dez anos depois, em Paris. Sylvia Beach, dona da livraria Shakespeare and Company, localizada na Rîve Gauche, resolveu editar o livro que era publicado em capítulos num jornal americano. Ela conseguiu reunir todas as partes do livro, comprando-as do editor, e empreendeu o esforço máximo de fazer a edição de um livro em inglês na França, remetendo os capítulos para Marseille, único gráfica que aceitou imprimir um texto que eles não sabiam ler. As provas vinham de trem, que ela diligentemente ia buscar e levar para Joyce. Ele reescreveu um terço do livro enquanto fazia isso. Como Joyce era aficionado por datas e números, ela conseguiu que o primeiro exemplar ficasse pronto no dia do aniversário de 40 anos de Joyce, em 2/02/1922, quando entregou, feliz e sorridente, o livro de capa verde ao autor irlandês. James Joyce foi o único escritor publicado por ela, pois ela se interessava apenas pela obra dele e não em ser editora. Além de "Ulysses", Beach publicou "Pommes pennyeach", um pequeno livro de poemas escrito que foi depois. Cada livro tem sua história, e a história de "Ulysses" aproxima-se de uma saga, pois, depois de imprimir a primeira edição, que ela vendeu antecipadamente com reserva de exemplares, teve toda a remessa que fez aos EUA queimada, pois o livro fora considerado pornográfico. A partir daí, passou a enviá-los para o Canadá para serem contrabandeados pela fronteira para o território americano. Fascinam-me essas histórias de livros e como eles sobreviveram às intempéries, ao fogo, ao calor e exagero humano.

14/06/2019 - 18h25