terça-feira, 28 de novembro de 2017

Lições de sábado 329

Cerquemo-nos do que nos é mais caro, juntemos os livros, as xícaras, as cartas. Peguemos a mobília da casa, as cortinas das janelas, os tapetes sobre os assoalhos, e penduremos os quadros que mais amamos, tudo isso com abajures e castiçais, uma luz tênue e frágil, para abrigar a alma, esta, a única que vive, sob todas as circunstâncias.

20/11/2012 - 9h48


sábado, 25 de novembro de 2017

Lições de sábado 328

Brasil é uma sucessão de erros que queremos que deem certo. Começa com um descobrimento de coisa sabida, passa pelas mãos de degredados e piratas, vira jazigo de ouro e pedras preciosas, é depenado, depauperado e explorado, torna-se receptáculo do maior contingente de escravos da África, é o último a libertá-los, tem rei, imperador e presidente, um sem número de constituições, petróleo e todas as riquezas minerais, fauna e flora, em que se plantando tudo dá, mas nunca teve a decência de seus governantes, salvo honrosas exceções. A história do Brasil é um erro tão grande, que, depois de ter eleito o partido dos trabalhadores e perdido o que lhe restava de honradez, está às cegas à procura de uma porta que lhe mostre a saída desse circo de horrores. Pobre, envergonhado, enxovalhado e ridículo. Pois só quem é ridículo aceita tanta humilhação. É triste, mas é nossa história. É lindo por ser verdadeiro. A verdade soa bela, mesmo quando é terrível. Indignei-me diante dos fatos de ontem. Mais ainda. É preciso saber onde estamos indo. Não somos um barco à deriva como queriam que imaginássemos a caravela de Cabral. Desde o início, contam nossa história como se fosse um acidente e não uma determinação. O Tratado de Tordesilhas foi assinado antes da descoberta para assegurar o território. Isabel de Castela e Fernando de Aragão foram ludibriados pelo primo D. João II, o rei de Portugal. Depois, em 1500, era o genro de Isabel, D. Manuel I, o Venturoso, que mandava Cabral para o Brasil. E nem um país nem outro soube o que fazer das terras descobertas. Nem Colombo aproveitou a sua astúcia como navegador genovês, nem Cabral deitou-se nos louros de sua descoberta. E Caminha morreu nas Índias - triste fim para quem anunciou a boa nova ao rei português. Como será contada nossa história daqui a 500 anos?

25/11/2016 - 17h55

Mapa-mundi de Vasco da Gama

sábado, 18 de novembro de 2017

Lições de sábado 327

Saber-se íntegro, sério e nobre não é outra coisa senão navegar contra a corrente, rio acima, de onde descem as águas que, em sua fúria, nada temem. E, como o navegador insistente, não desista, não fuja da escalada, pois o rio bravio não ouve lamentos e gemidos. A vida é árida e só colhe os frutos quem não abre mão dos sonhos.
17/11/2017 - 20h51


segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Lições de sábado 326

Os motivos são meus, mas as razões são suas.

A constância da chuva lembra-nos aquilo que acontece o tempo todo e muitas vezes não vemos. Chove para que prestemos atenção. O infinito também existe, embora só vejamos coisas finitas. Somos levados muitas vezes por circunstâncias que não prevemos e nossa sorte não ajuda quando não é para dar certo. O que tem de dar errado dará. Essa é a verdadeira Lei de Murphy.


13/11/2017 - 8h55


sábado, 11 de novembro de 2017

Lições de sábado 325

Os segredos de Laura

Nunca houve uma mulher como Gilda, nem como Rebecca, a mulher inesquecível. Há mais mistérios em torno de mulheres do que de homens, reparem. Por isso os segredos são de Laura, que já foi novela, série de TV e tema para este filme noir charmosíssimo de Otto Preminger, de 1944, chamado apenas "Laura", com Gene Tierney e Dana Andrews e participação de Vincent Price. Ele não era o vilão da história, papel reservado a Clifton Webb, que, por não ser galã, fazia o personagem detestável de escritor e assassino. O mistério começa em torno de um quadro, no apartamento onde a mocinha morava e acaba enveredando por caminhos não imaginados. Pouco importa isso agora, somente o fato de que as mulheres arrebanham, em vida ou na ficção, mais paixão que os homens. É só citar meia dúzia delas e a mente começa a divagar. Cite cinco homens, cuja história, real ou ficcional, seja um mistério ou fascinante. Eu cito reais: Oscar Wilde, Lawrence da Arábia, John Lennon, Alexandre, o Grande, Marco Polo. Mas não é a mesma coisa que citar Cleópatra, Catarina, a Grande, Maria da Escócia, Elizabeth I, Joana D'Arc. A vida delas parecerá muito mais interessante. Assim é Laura, do filme de Preminger, que desperta a paixão do investigador vivido por Andrews. Se formos partir para a ficção, os homens tomam um banho: Capitu, Catherine (de O Morro dos Ventos Uivantes), Beatriz (de A Divina Comédia), Madame Bovary, Anna Karenina. Claro que tem muito mais. Mas mulheres dão de dez a zero. A pergunta final é simples: quantas mulheres são necessárias para se fazer um grande homem? Sua vida pode ser grandiosa, mas o mistério ficará por conta dessas mulheres anônimas que cuidaram, cozinharam, tiveram filhos, esperaram e ouviram os grandes planos desses grandes homens. "Vou chegar à China navegando para o Oeste", disse Colombo à sua mulher espanhola. "Está bem, está bem... Agora, durma", teria respondido ela, cansada de ouvir a mesma história todos os dias. E ele foi e fez. Minha avó Therezinha costumava dizer: "Quando vemos um ministro muito educado, não sabemos o trabalho que ele deve ter dado para a mãe dele". Mulheres são misteriosas e inesquecíveis. Assim como Laura, Gilda e Rebecca, incompreensíveis por trás de sua aura de sedução. Afinal, são mulheres. 

11/11/2017 - 14h31


terça-feira, 7 de novembro de 2017

Lições de sábado 324

Em 1976, tive uma colega no terceiro ano do colégio, que se dizia neta de Cecília Meireles. Ela provava isso mostrando a foto das netas, Fernanda Maria e Maria de Fátima, publicada nas obras completas da Aguilar. "Eu tenho todos os livros de vovó", dizia ela. A professora, distraída, respondeu: "Ah, poderíamos fazer uma entrevista com ela". "Não é possível, professora... ela já morreu". E eu passei os 20 anos seguintes acreditando que tinha estudado com Fafá, neta de Cecília Meireles, irmã de Fernanda C Dias. Mas, em 2001, centenário de nascimento de Cecília, conheci Fernanda, que me disse: "Nós nunca estudamos em São Paulo". Eu caí do céu. Como era possível que aquela menina, se aproveitando de ter o mesmo nome, apelido e idade se passava por neta de quem não era? (Há outros casos assim, mas conto depois.) Quando finalmente conheci a verdadeira Fafá, era como se reencontrasse alguém que nunca tinha visto, mas que acreditava ter conhecido. Uma intimidade através da pessoa errada. O verdadeiro erro de pessoa. Achar que é uma pessoa que ela não é. Aliás, isso não é erro de pessoa, é falsidade ideológica. 

7/11/2017 - 13h23



sábado, 4 de novembro de 2017

Lições de sábado 323

Temos tempo ocioso para fazer nada. Aproveitemos. Temos tempo de contemplar as estrelas e enumerá-las. Temos tempo para a lentidão e para o vagar dos olhos. Temos tempo para rezar e meditar. Temos tempo principalmente para os amigos. Temos tempo para pensar e dizer palavras a quem nos ouve. Tempo para a amizade e a rega. Tempo para passar. Tempo para esperar. Tempo para o que não for urgente. Tempo para novas construções. Para reiniciar o que foi desfeito. Para refazer o que foi perdido. Para procurar, para buscar, para entreter. Tempo para todas as coisas que não têm fim e cujo o eterno recomeço não é uma nódoa. Temos tempo para o acaso. Tempo de dizer sim, tempo de acertar. Tempo para as coisas inúteis e as úteis também. Tempo de cozinhar, de beber, de comer. Tempo de ninar crianças, educá-las, ler para elas. Tempo de ouvir. Tempo de ser absolutamente o que se é. Sem máscaras. Tempo de viajar. De recolher-se, de dar as mãos. Tempo para o que for imprescindível e obsoleto também. Porque não existe uma coisa que seja somente vã. Para alguém, ela tem sentido. Tempo de ler poemas. E de escrevê-los. Temos tempo. Vamos devagar para que o tempo demore um pouco mais e possamos nos lembrar. Este é o tempo de ser como nunca se foi antes.

4/11/2017 - 9h58