sábado, 26 de abril de 2014

Lições de sábado 132

Livros não são filhos, embora se pareçam com eles, porque vêm através de nós. Livros são mais que filhos, porque vão a toda parte e falam por nós. Nem sempre filhos fazem isso. Livros fazem mais, duram muito mais, e não dependem de nós, pois uma vez que estejam livres, ganham a rua, e não nos pertencem mais. Nem os filhos. Mas livros são muito mais que filhos. São nossos pais, porque nos ensinam e nos moldam como temos de ser. Há mais de 30 anos comecei a publicá-los. Dezessete livros depois, sei o que aprendi e o que tive de mudar e fazer. Mas aprendi a fazê-los não só para mim. Livros são mestres, porque eles sabem o que querem, e nós temos de ouvi-los para fazê-los como querem ser feitos.

26/04/2014 - 22h22

sábado, 19 de abril de 2014

Lições de sábado 131

"O motivo do amor é não ter motivos", expressou William Shakespeare em um de seus sonetos. Num mundo mecânico, procuramos o amor, que não tem motivos para existir. Apenas existe. Apaixonamo-nos por quem nos faz sofrer. E somos traídos por quem mais amamos. "Nascemos para amar quem mais nos fere", escreveu Lawrence Durrell. Se o amor existe sem motivos e amamos quem nos magoa, nascemos para ser magoados por eles aparentemente sem razão. A outra máxima de que "tudo que precisamos aprender é a amar e ser amado", inclui os não-motivos e as ofensas. Sem motivos e feridos, continuamos a buscar quem nos ame e não nos faça sofrer. Amamos os poemas que escrevemos para expressar nossa dor e tristeza, saudade e solidão mais do que a alegria do amor, que decerto soarão "ridículas, porque se não fossem ridículas" não seriam de amor, como disse Fernando Pessoa. Rio com a contradição, porque se o amor não buscar apenas a si mesmo, não será amor. Outro grande escritor, André Breton, também disse, em "Amor louco", que "o fato (...) de se negar a persistência do amor à primeira vista e, na vida, a perfeita continuidade entre o possível e o impossível, é a prova de se haver perdido aquilo que eu considero ser o único e verdadeiro estado de graça". No posfácio do meu livro "Areal", escrevi: "O único pensamento é o do ser amado, para quem todas as palavras se dirigem num determinado momento e durante determinado espaço de tempo, porque (citando novamente Breton) 'tu és mil, basta decompor todos os gestos que te vi fazer'. Nessa multiplicidade, que é inerente ao ser humano, estamos nós, trafegando algum momento paradisíaco que nos foi concedido, para vislumbrar o futuro como promissor e palpável. (E novamente Breton) 'Independentemente do que possa ou não acontecer, a espera é que é, na realidade, magnífica', porque na espera é que estão todos os atos e que têm, como finalidade maior, o amor".

19/04/2014 - 6h00


sábado, 12 de abril de 2014

Lições de sábado 130


"Dê-me uma alavanca e um ponto de apoio que eu levantarei o mundo", disse Arquimedes. Este é um princípio de física que se aplica à natureza humana como a água ferver a 100 graus. É preciso conhecer princípios de física e química para cozinhar ou lidar com as pessoas. Esse princípio é tão importante quanto o deslocamento da água pelo corpo, o mesmo que gerou o Eureka! Obedecemos à ordem natural sem saber que regras obedecemos. Aprendemos o que sabemos em criança e carregamos nossos hábitos vida afora. Ler poesia, porque leram para nós. Ir ao teatro, porque nos levaram até lá. Assistir a filmes, porque aprendemos o que era quando alguém nos mostrou. E passamos esses hábitos à frente. Levantar o mundo depende de um instrumento e de um ponto de apoio. Encontre esses dois elementos e fará o que quiser. Diga as palavras certas (instrumento) na hora certa (ponto de apoio) e verá o resultado. Às vezes, o instrumento é um sorriso, ou o silêncio. Mas sempre será uma ação. A alavanca é qualquer coisa que o ponha em movimento ou mostre sua posição. E o modo é o ponto de apoio. Louis Armstrong disse: "O jazz não é o quê, é como". Como faz toda a diferença, mesmo que tenha dez instrumentos. Basta um. E saber como fazer. 

12/04/2014 - 16h12


sábado, 5 de abril de 2014

Lições de sábado 129

Os momentos de dor e sofrimento são momentos de morte e renascimento. Morre um pouco em nós o que fomos por tanto tempo e temos de abrir mão para prosseguir. Mesmo confundidos pela dor que nos faz olhar para o que nos aflige, buscamos um sentido maior, de por que temos de passar por coisas que não desejamos. Se o sofrimento é útil para termos uma visão maior, um horizonte mais largo, um entendimento mais profundo de tudo, tudo que sofre está passando por uma purificação, mesmo que o resultado não seja a sobrevivência. Não vivemos para sempre. Então as superações também são temporárias. "Em tempos obscuros, os olhos começam a ver", escreveu Theodore Roethke no primeiro verso de seu poema "The taste of self", ainda não traduzido. Quando assistimos ao sofrimento alheio, e vemos como eles superaram os seus problemas, não aprendemos por osmose. Por mais que nos surpreendam os caminhos escolhidos, aquele era o único que entenderam possível. Até a morte, que também é passageira. Buscamos a permanência e ela não existe no plano físico. Aqui a dor diverge do que parece eterno. Mas se, para enxergar melhor, tenho de deixar de ver, qual a escolha para meu aprimoramento? A arte mostra o resultado de sofrimentos extremos: Aleijadinho, Van Gogh, Mozart, Beethoven. Superar a dor, qualquer dor, nos aprimora. E a maior beleza, a grande beleza, está onde houver a maior dor, a maior renúncia, o maior desprendimento. 

Sábado, 5/04/2014 - 13h45