sexta-feira, 24 de julho de 2015

Lições de sábado 219

Para que serve o escritor?

O escritor inspira aqueles que o leem a viver melhor. A conhecer melhor os seus sentimentos. A entender melhor os seus pensamentos. A definir o que que querem dizer com suas palavras. Anne Morrow Lindbergh, de quem lancei recentemente o seu "O Unicórnio e outros poemas", tem poemas que servem de modelo para atitudes nevrálgicas na minha vida. Seu poema "Até mesmo", quando ela diz "Aquele que eu amo/ desejo que seja livre/ - até mesmo de mim" traçou uma direção em minha vida. Eu não saberia amar de outra forma, senão como Anne a definiu. Então, eu aprendi a amar a partir desse poema quando o li aos 18 anos de idade. Evidente que não é um aprendizado instantâneo e, como a palavra diz, é um aprendizado lento, algo que se faz por etapas, aprendendo a libertar aqueles que amamos de nós mesmos. E assim são todos os escritores, nos ensinando que "poesia é paisagem", como diz Fernando Pessoa, que "é preciso continuar, apesar de", como diz Clarice Lispector, que "o  essencial é invisível para os olhos. Só se vê bem com o coração", como diz Saint-Exupéry, e "vossos filhos não são vossos filhos", como diz Khalil Gibran. Foi com escritores como esses e outros que conduzi minha vida. E tudo que aprendemos com aqueles que escrevem torna-se essencial para nós. Viva os escritores hoje e sempre. 

25/07/2015 - 01h01 - Dia do Escritor 

Máquina de escrever de Anne Morrow Lindbergh


quinta-feira, 23 de julho de 2015

Lições de sábado 218

Quando um livro nos chama
Posso fazer todas as hipóteses e formular todas as teorias por que um livro assentado confortavelmente dentro de uma livraria me chama do outro lado da cidade, e eu o atendo, sem saber nem que me chama, nem por quê. Eu só sei que quando um livro que estou fazendo tem um erro crasso, ele faz tudo para que eu o conserte e, desta vez, ele conseguiu: fez eu vir até a Blooks, no Espaço Itaú de Cinema para comprar a nova edição de "As aventuras de Pinóquio", de Carlo Collodi, com tradução de Ivo Barroso, ilustrada, e descobrir uma palavra errada no livro que estou fazendo. Abri o livro ao acaso e lá estava ela acenando para mim. Acredite. Livros fazem isso. De lambuja, comprei "O cão dos Baskerville", de Arthur Conan Doyle, que li há 40 anos. Livros falam.


18/07/2015 - 21h51


Lições de sábado 217

Trabalhando até esta hora?
Os dias começam tarde, só é possível começar a conduzir o fio do pensamento quando faz certo silêncio em volta das coisas da casa, quando tudo se assenta, e não somos mais acossados por telefonemas e celulares tocando. Mais cedo fazia um barulho de quebra-quebra infernal do apartamento três andares abaixo de uma obra que já dura mais de mês. Devem estar derrubando as paredes. Então, nesse horário, não consigo nem pensar, quanto mais trabalhar. Depois cessou, e quando vi, já era 18h, e aí comecei a trabalhar, portanto para mim, deve ser 15h, pelo meu relógio interno, e eu teria direito a mais umas duas horas de labuta, até fechar o botequim, e depois o happy hour, até umas 3h ou 4h da manhã. Ainda bem que o peso foi ontem e hoje só tive pedregulhos para tirar da pedreira. Mais um livro se encerra, e outro ainda envereda por caminhos nunca antes navegados. E outro ainda principia, enquanto outro segue. A máquina de fazer livros não escolhe a hora, apenas se apronta. E ficamos à mercê das invenções do tempo para que se fechem os ciclos que abrimos. Se navegamos, aprendemos a ancorar e esperar os ventos.

16/07/2015 - 00h16


Lições de sábado 216

Amigos à parte
O relacionamento com certos amigos tem a tendência de virar lenda. Quando nos referimos a qualquer coisa dita por eles, rimos como se não pudéssemos contar a história inteira, ou fosse uma longa história. Na verdade, a história pode ser até pequena, mas o envolvimento emocional é tão grande, que demanda muita energia para ser contada. Cria-se o que Millôr Fernandes chamava de "indioma", não o idioma comum falado entre as pessoas, mas uma linguagem interna, um vocabulário conhecido apenas por iniciados, não por iniciantes. É comum existirem essas palavras numa mesma família, em que situações, pessoas e fatos são narrados com uma descrição especial, Minha família é cheia desses "indiomas", expressões essas que passo para meus amigos, que os adotam imediatamente, como se fossem deles. E ainda criamos outros, nossos próprios indiomas, em que a menção de uma palavra dessas basta para cairmos na gargalhada. Assim são minhas amizades, especiais e indiomáticas.

15/07/2015 - 20h17


Lições de sábado 215


Dizem que tudo que será feito já foi determinado. Que não cai uma única folha sem que esteja previsto. E nós não nos lembramos disso, não estamos atentos a esse movimento. Se alguém me faz sentir que tê-lo encontrado tornou minha vida melhor, então há premeditação nesses encontros ou pós meditação, pois só me dou conta depois. E tudo que dizemos está dito: tudo que fazemos é apenas reconhecê-lo.

22/07/2015 - 1h05


sábado, 4 de julho de 2015

Lições de sábado 214

Mário que se conhece Andrade
Há muitas coisas para se dizer sobre Mário de Andrade, além de ter promovido a Semana de Arte de 1922, sendo o músico e escritor que era, além de poeta afiado, crítico e missivista contumaz. Sob seus olhos, não escapava nada. Para tudo ele tinha um comentário, um adendo, uma opinião e um conselho, principalmente aos mais jovens. Amigo de Prudente de Moraes, neto, conhecido no meio jornalístico como Pedro Dantas, ou para os amigos apenas como Prudentico, reservou a este toda a atenção que o tempo lhe dispôs durante o período em que morou no Rio de Janeiro, companheiro de copo e de samba. Foi por causa dele que Prudente perdeu o maior furo da História, no dia da morte de Mário de Andrade, quando, ao final do périplo de bares, na Taberna da Glória, bebendo em memória do amigo, fazendo o mesmo percurso que costumavam fazer juntos, Prudente ouve um oficial americano se gabar de uma arma potente que podia arrasar uma cidade inteira, que tinha a luz do sol, e cabia bem na sua mão... Prudente já estava bêbado demais para abordar o americano e arrancar dele a história que ele sabia, em 25 de fevereiro de 1945. Somente no dia 6 de agosto, quando caiu a bomba em Hiroshima, Prudente entendeu a que o oficial se referia. Mas, por causa da tristeza em que se encontrava, além do seu estado alcoolizado, não pôde dar o furo sobre o ataque da bomba atômica, definido exatamente no mês em que Mário de Andrade morreu.
4/07/2015 - 22h04


"Retrato de Mário de Andrade", de Cândido Portinari (1935). Portinari o retratou como ele era, o que não vemos nas fotos, com a pele mulata.