domingo, 25 de janeiro de 2015

Lições de sábado 190

Meia-noite com fogos? O que dá em Copacabana de vez em quando? Não sabemos mais nem onde moramos. Na rua, crianças gritam como se estivessem sendo esganadas, homens e mulheres discutem aos sopapos, correm atrás de ladrões, os ônibus fazem barulho, os carros de bombeiros, ambulâncias, polícia, todos com sirenes ligadas. Às vezes, me pergunto o que aconteceu com o silêncio. Onde moro há risadas à noite toda, quando não música o dia inteiro. Os vizinhos discutem, quebram pratos e, de vez em quando, uma água escorre sem parar, ou um motor funciona a noite inteira. Há cães que ladram e um papagaio que grita qualquer coisa ininteligível. Os pneus passam rodando pelo asfalto, enquanto os rojões continuam a estourar. Ligo a televisão e não há nada para assistir. "Conteúdo adulto"? Quem, em sã consciência, quer isso? Alguém toca a campainha desesperadamente. E o caminhão de lixo passa novamente dando a volta no quarteirão (o lixo estava tão desmantelado que nem sei como conseguiriam colocá-lo na caçamba). O ronco do motor do ônibus sublinha minha última frase e a campainha ainda toca pela área interna do prédio. Buzinas disparam, e os gritos vêm de toda parte, quando não a sinfonia de apartamentos em reforma. Conheço este lugar há mais de 50 anos. E, às vezes, não o reconheço.

24/01/2015 - 00h20



quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Lições de sábado 189

Existe uma vida imaginada em que eu sou personagem, e me vejo em lugares onde estive e não voltei, que teria outro fundo, outra paisagem como cenário, do que esta que vivi, talvez uma vida sonhada, ou inventada, com menos atribulações do que as que restaram. Tantas outras foram resolvidas, e a vida é assim, sem sonhos, só esforços para atingir objetivos. Ninguém tem a vida ideal. Pode ser boa, mas algo fica faltando. Lembrei de uma xícara, na casa de uma tia-avó que nunca mais vi, biscoitos num prato delicado, uma luz pela janela com cortinas brancas que nunca mais verei. E mesmo assim, sempre volto àquela cozinha, onde o chá e os biscoitos foram servidos, com uma saudade de algo que não era meu. O que fiz e construí ainda está em andaimes. Uma obra que não termina. Fazer e refazer continuamente, mas nunca a janela com cortinas. A vida imaginada só existe para mim. A vida poderia ter sido outra, mas nunca com os mesmos resultados. Tantas coisas eu teria feito diferente, se soubesse. Pensei até em abrir mão do que fiz para desfazer o que não deveria ter feito. Desfazer tudo. Voltar a um momento em que os danos ainda eram menores ou evitáveis. Mas só tenho esta vida para falar do que vivi. Ao contrário do que dizem, faria tudo diferente. Porque não queremos repetir os mesmos erros - temos de saber evitá-los. Seguir onde tiver de ir, mesmo que não possa prever o fim, ou os caminhos. Por isso, como diz Cecília, é preciso reinventar-se.
REINVENÇÃO
A vida só é possível reinventada.
Anda o sol pelas campinas e passeia a mão dourada pelas águas, pelas folhas. . .
Ah! Tudo bolhas que vêm de fundas piscinas de ilusionismo... – mais nada.
Mas a vida, a vida, a vida, a vida só é possível reinventada.
Vem a lua, vem, retira as algemas dos meus braços.
Projeto-me por espaços cheios da tua Figura.
Tudo mentira! Mentira da lua, na noite escura.
Não te encontro, não te alcanço...
Só - no tempo equilibrada, desprendo-me do balanço que além do tempo me leva.
Só - na trevas fico: recebida e dada.
Porque a vida, a vida, a vida, a vida só é possível reinventada.

Cecília Meireles

21/01/2015 - 12h38


sábado, 17 de janeiro de 2015

Lições de sábado 188

Vive la différence! Por todos os motivos, não devemos acreditar no que é aparente. Sob a aparência, ocultam-se os verdadeiros motivos, que mostram apenas a ponta do iceberg. Não devemos aceitar tudo tacitamente, como se não tivéssemos escolha. "Nada é impossível de mudar", disse Brecht. O que parece ser, nem sempre é. E o que é, nem sempre parece. A diferença entre a verdade e a mentira pode ser uma palavra. A diferença entre o certo e o errado pode ser uma escolha. Então não julguemos apressadamente sem conhecer todos os motivos, nem todos os fatos. Contra fatos não há argumentos. Muito do que julgamos baseia-se no que pensamos ser. E isso não é fonte de certezas. Deixar que as causas emerjam é um modo de descobrir a verdade. Como num processo. Como numa reação química de causa e efeito. Esperar pode ser um tipo de ação. Agir pode ser irremediável. O que julgamos certo nem sempre é correto. A melhor forma de descobrir é dar tempo ao tempo. E entender que cada passo tinha de ser dado, para frente ou para trás. Aceitar as falhas como formas de compreensão. Aceitar os acertos como tributos das nossas ações. A escolha deve ser clara. Se não for, não faça nada. As ações justificam-se por si mesmas. E o que pretendemos descobrir pode estar mais próximo de nós do que imaginamos.

17/01/2015 - 18h36


Lições de sábado 187

Em geral, um erro leva a um acerto. Leva-nos àquilo que inconscientemente queríamos. Seja por um acaso, ou coincidência, os acertos são feitos muitas vezes à nossa revelia. Quando começamos algo, não sabemos se tudo dará certo. Por vezes, os erros no caminho nos levam a um resultado melhor do que esperávamos. Todo planejamento deve prever mudanças. Os imprevistos trabalham para aperfeiçoar o que estamos fazendo. A saída para um problema pode ser a chave de ouro de um empreendimento. Se começamos de forma correta, no fim, dará certo, mesmo que o percurso seja acidentado. "Tudo trabalha para o bem". Por isso, acredito nos males como cura. O imprevisível pode ser uma bênção. E o que parecia perdido pode se salvar. Os desvios que somos obrigados a tomar nos levam ao destino que devemos alcançar. Então, o caminho não foi errado, por mais acidentado que seja. Perder nem sempre é um mal. Há um ganho posterior que só podemos avaliar depois. Assim, não há erros. Há tentativas de acerto. E correções de trajetória. Novos fatores que nos obrigam a mudar quando necessário, e aceitar o acaso como elemento de correção. Se tudo que fiz me trouxe até onde estou, e estou bem, quer dizer que os erros foram os degraus para os acertos. E redimimo-nos daquilo que não queríamos ter errado. E, mesmo assim, foi o que nos fez acertar. 

17/01/2015 - 17h01


terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Lições de sábado 186

Teremos mais tempo quando estivermos sozinhos, pensamos. Teremos mais espaço quando tivermos nossa casa. Iremos a mais lugares quando desistirmos das urgências. Seremos outros se tivermos a chance. O tempo que tomamos para nós é nosso. E o tempo que damos ao outro é nosso também. A proximidade nasce da amizade e das semelhanças. A longa viagem de volta ao lugar de onde saímos.

11/01/2015 - 1h37


sábado, 10 de janeiro de 2015

Lições de sábado 185

1.001 dias. É quanto leva para promover mudanças. Enquanto Shehazade precisou de 1.001 noites para demover o sultão de matá-la, contando as aventuras de Simbad, o Marujo, ou de Aladim e a lâmpada mágica, precisamos de 1.001 dias para operar as mudanças que desejamos por muito tempo. Mudar os móveis, trocar o fogão, rearrumar os livros, jogar fora o que não precisa mais ser guardado, comprar roupas novas, desempacotar o que está em caixas, limpar o quarto de empregada, fazer um armário para a cozinha, trocar as tomadas e os espelhos dos interruptores, trocar as torneiras, comprar uma nova porta para o box do banheiro, e tirar tudo que não serve mais e está escondido em algum lugar dentro de casa. Restaurar o que era bom. Recolocar os quadros na parede. Demora 1.001 dias para se refazer o que estava feito e descobrir o que ainda se precisa fazer. São mais de dois anos e meio. Enquanto levou 1.000 dias para Ana Bolena se apaixonar por Henrique VIII, se tornar a rainha da Inglaterra, ter uma filha e morrer decapitada por traição, são necessários 1.001 dias para recolocar uma vida no lugar, porque as mudanças iniciadas hoje levam todo esse tempo para se consolidar. Talvez possam levar um pouco menos, mas daqui a dois anos todo o esforço poderá ter sido esquecido. Minha vida, no entanto, muda de ano em ano. Nunca estou vivendo a mesma situação no ano seguinte. De ano em ano, algo está completamente mudado, seja o trabalho, seja a casa, seja o namorado. Pelo menos, um desses muda. Em dois anos, então, terão sido duas grandes mudanças. A primeira eu já comecei.
10/01/2014 - 11h33


terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Lições de sábado 184

Tudo é feito um dia de cada vez. Recomeçar não é tão simples quanto esquecer o que passou. Parece mais fácil desta vez. Acho que ciclos concluídos dão essa sensação de "missão cumprida". Saturno em Sagitário agita o cenário. Celacanto provoca maremoto. O que estava parado começa a andar. Liberta certos lastros. A carga se torna mais leve. Programar, projetar para depois concluir. Mas deixar um pouco a ação do acaso para que o barco tome seu rumo. Somos o capitão do navio, mas temos de contar com as tempestades. Os desvios de trajetória. Ou as correções acidentais, os imprevistos, o imponderável, e tudo para colocar-nos na rota correta. O que parecia complicado, se descomplica, o que parecia uma carga, se torna suportável. Ficamos mais fortes, mais treinados, mais atentos. Mais experientes. E só por isso conseguimos continuar. Nem que tentemos adivinhar o que irá nos acontecer, quem iremos conhecer, há coisas que simplesmente não nos são ditas, por mais que tenhamos premonição delas. Elas não são o que parecem, e o que é guarda o segredo que somente poderemos conhecer depois.

6/01/2015 - 00h00


sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Lições de sábado 183


Há mistérios insondáveis. Quanto mais pensamos neles, menos entendemos, porque não há explicação possível. No impossível estão todos os motivos que desconhecemos, porque, se forem ditos, jamais serão justificados. O que justifica uma traição, o que justifica uma mentira, o que justifica o ódio ou o desamor? Enquanto tentamos entender por que temos de enfrentar vicissitudes, inimizades, demandas, intrigas de todo tipo, descobrimos que nesses momentos são colocadas à prova as nossas melhores qualidades para nos defender. Desde os tempos bíblicos os homens (e Deus) já se preocupavam com isso, e por isso muitos de seus temas são o descrédito, a infidelidade, as contendas e o que devemos fazer para vencê-las. Tentamos nos livrar do mal todos os dias. E todos os dias enfrentamos novos perigos, que por vezes dormem ao nosso lado. São cavalos de Troia que nos são dados de presente por gregos infalíveis. Nesse momento, só a poesia os vence. Só a história e o tempo faz com que a derrota seja contada em versos. E o vencedor também seja o vencido. Usamos nossas armas para vencer o imponderável. O que não podemos prever e não podemos saber antes da hora. E até que se diga, somente nós desvendaremos os segredos que viemos perseguindo.

3/01/2015 - 1h11