quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Lições de sábado 189

Existe uma vida imaginada em que eu sou personagem, e me vejo em lugares onde estive e não voltei, que teria outro fundo, outra paisagem como cenário, do que esta que vivi, talvez uma vida sonhada, ou inventada, com menos atribulações do que as que restaram. Tantas outras foram resolvidas, e a vida é assim, sem sonhos, só esforços para atingir objetivos. Ninguém tem a vida ideal. Pode ser boa, mas algo fica faltando. Lembrei de uma xícara, na casa de uma tia-avó que nunca mais vi, biscoitos num prato delicado, uma luz pela janela com cortinas brancas que nunca mais verei. E mesmo assim, sempre volto àquela cozinha, onde o chá e os biscoitos foram servidos, com uma saudade de algo que não era meu. O que fiz e construí ainda está em andaimes. Uma obra que não termina. Fazer e refazer continuamente, mas nunca a janela com cortinas. A vida imaginada só existe para mim. A vida poderia ter sido outra, mas nunca com os mesmos resultados. Tantas coisas eu teria feito diferente, se soubesse. Pensei até em abrir mão do que fiz para desfazer o que não deveria ter feito. Desfazer tudo. Voltar a um momento em que os danos ainda eram menores ou evitáveis. Mas só tenho esta vida para falar do que vivi. Ao contrário do que dizem, faria tudo diferente. Porque não queremos repetir os mesmos erros - temos de saber evitá-los. Seguir onde tiver de ir, mesmo que não possa prever o fim, ou os caminhos. Por isso, como diz Cecília, é preciso reinventar-se.
REINVENÇÃO
A vida só é possível reinventada.
Anda o sol pelas campinas e passeia a mão dourada pelas águas, pelas folhas. . .
Ah! Tudo bolhas que vêm de fundas piscinas de ilusionismo... – mais nada.
Mas a vida, a vida, a vida, a vida só é possível reinventada.
Vem a lua, vem, retira as algemas dos meus braços.
Projeto-me por espaços cheios da tua Figura.
Tudo mentira! Mentira da lua, na noite escura.
Não te encontro, não te alcanço...
Só - no tempo equilibrada, desprendo-me do balanço que além do tempo me leva.
Só - na trevas fico: recebida e dada.
Porque a vida, a vida, a vida, a vida só é possível reinventada.

Cecília Meireles

21/01/2015 - 12h38


Nenhum comentário:

Postar um comentário