sexta-feira, 29 de novembro de 2019

Lições de sábado 365

Ninguém esquece a primeira aula, a primeira vez que fala de um assunto, que vê uma pessoa, que lê um livro. A primeira vez é sempre única. As outras que se sucedem apagam-se como um quadro negro. Não lembramos de mais nada, senão daquele primeiro instante fulgurante em que uma palavra foi pronunciada, ou vimos alguém que nunca mais esquecemos. 

Mas o que faz com que toda vez seja a primeira? E não esqueçamos nem as vezes seguintes, mesmo que sejam (quase) as mesmas, como acordar todos os dias e tomar o café da manhã? O que faz toda vez ser única? 

A diferença é estar desperto. Veja um gato, por exemplo. Para ele, é sempre a primeira vez. Ele olha com ar curioso qualquer coisa que lhe mostremos. Um gato está sempre pronto a saltar, ou a reagir imediatamente. Nada se repete para ele, e está constantemente sendo surpreendido. Mas nós, não. Nós dormimos mesmo de olhos abertos. O cérebro desliga se não for provocado. Entramos no piloto-automático das sensações diárias. E só "despertamos" quando algo inesperado acontece: a morte de alguém, um acidente, uma tragédia. Temos que ser constantemente despertados para nos lembrarmos das coisas, porque as pequenas coisas diárias passam despercebidas. 

Mas se estamos despertos, tudo nos surpreende. Como disse Gullar sobre o poeta, somos capazes de nos espantar. E, se tudo é uma novidade, mesmo a coisa mais conhecida, então, sim, estamos despertos, como o gato diante da bola que ele não se cansa de empurrar. 

Todo dia é novo. Mas se não estivermos despertos, não lembraremos do dia, pois só somos capazes de nos lembrar quando estamos de fato acordados. Para isso temos que lembrar constantemente de nós mesmos. Onde estou, o que eu disse, o que está ao meu lado, atrás de mim, à minha volta? Essa atenção despertará o cérebro de seu sono, e a memória será acionada. Então poderemos nos lembrar de tudo, como num filme. 

A falta de memória é falta de uso. Falta de estar desperto. Se não provocamos o cérebro, ele dorme. Se não o usamos, ele cai no mais profundo sono, do qual só vai despertar ao som do cuco (para isso foram inventados), e adormecer de novo em seguida. 

Quando prometer algo a alguém e só lembrar depois que lhe for perguntado, é porque seu cérebro dormiu (lamento, mas é isso que acontece). Meu avô dizia que "esquecimento é pouco caso". Ele era bem severo ao dizer isso, mas na verdade a mente só "desligou" e por isso "esqueceu". 

Para manter a mente alerta é necessário exercitá-la, fazer com que preste atenção em tudo, não apenas ficar lá de olhos abertos, mas ausente. Já viu um peixe dormindo? Ele dorme com os olhos abertos, porque não tem pálpebras. E fica ali, se movendo minimamente, paradinho no aquário, de olhos esbugalhados, mas dormindo. Nosso cérebro é igual. Dorme de olhos abertos. Para lembrar, é preciso despertá-lo. 

Acorde! E lembre de cada minuto vivido. Vale muito mais a pena. 

29/11/2019 - 10h36

Foto de Fabio Giorgi