sábado, 18 de agosto de 2018

Lições de sábado 351

Várias histórias falam de princesas. E muitas são noivas que se casam. Até a lenda de São Jorge inclui uma donzela que é salva do dragão. Ainda tem as que não querem se casar, ou que traem o noivo, ou o marido, como Guinevere, ou Isolda, ou as que são fiéis até na ausência, como Penélope, tecendo um manto que não termina. Todas essas mulheres confundem-se com as princesas e rainhas, sempre em viagem, numa torre, forçadas a se casar com quem não querem, ou que perdem o amado numa guerra. As histórias reais se misturam com os mitos, mesclando pessoas e deuses mitológicos, nórdicos, gregos ou romanos. E as histórias reais que contadas parecem mitos. E a elas se juntam as santas, como Bárbara, Úrsula, Isabel, que também princesas, tinham uma missão divina.

No Brasil, temos a história de uma noiva, cujo futuro marido foi preso uma semana antes do casamento e nunca mais o viu. Gonzaga ficou preso três anos e foi degredado para Moçambique por causa da Inconfidência. Marília implorou para acompanhá-lo à África, mas não lhe permitiram. Entrou num convento e se tornou noviça. Há sempre uma história de uma princesa (as histórias de princesas são incríveis) a quem é negado algo e que tem que sublimar tudo para poder sobreviver. Princesas não deveriam sofrer, mas cumprem uma missão por serem quem são.

Uma delas viajou para se casar a pedido do noivo que ficara viúvo, cuja mulher, antes de morrer, exigira que ele se casasse com uma princesa da mesma família que ela. Kokejin era filha de Kublai Khan e foi entregue a Marco Polo, seu pai e seu tio para levá-la até a Pérsia atravessando o Mar da China. Viajaram por três anos. E ao chegarem lá, depois de enfrentarem tempestades, calmarias, piratas, naufrágios e incêndios, casou-se com o filho do noivo, pois este morrera antes de ela chegar. Só que ela não viveu muito tempo após Marco Polo partir para a Itália. Ela morreu de parto dois anos depois. Assim, o auge de sua vida, a primeira e única vez que saiu de casa, foi aquela viagem para se casar. E Marco Polo tinha a incumbência de entregá-la em Ormuz, intacta, e assim o fez. Ela se chamava Princesa Azul, pois seu nome quer dizer "tão linda quanto o céu". Polo nunca soube quando ela faleceu, mas até o fim da vida guardou as joias e tiara que lhe deu em gratidão.

Outra (esta história também é real) conheceu seu futuro marido por causa de um poema que ele lhe enviou. Trocaram cartas por algum tempo e ele foi visitá-la. Quando se viram, já estavam apaixonados. Ela era mais velha do que ele, mas isso não importou. O pai proibira a ela e seus irmãos de se casar. Ela ignorou a proibição. Casou-se secretamente com o poeta e fugiu com ele para a Itália, onde viveram por quinze anos em Florença, até ela morrer, por ter uma saúde muito frágil, mas não antes de dar a ele um filho, Robert Barrett Browning.

A história real mais triste é de uma aluna de teologia de dezessete anos que se apaixonou pelo seu professor, um padre que havia feito apenas os primeiros votos, que era vinte anos mais velho do que ela. Tiveram um filho e casaram-se em segredo na capela onde foi erguida depois a Igreja de Notre-Dame, no século XII. Mas isso de nada adiantou. Seu tio mandou castrá-lo. Ela se tornou freira, ele fez seus votos finais, e o filho, Astrolábio, foi criado pela tia, irmã de Abelardo, na Normandia. Depois de quinze anos, Heloísa escreveu para seu amado e disse que ainda o amava. Ele, resignado, respondeu que tudo o que lhes aconteceu foi para que servissem melhor a Deus. Ele morreu, ela pediu seu corpo para enterrá-lo no convento onde se tornara abadessa e, vinte anos depois, antes de morrer, pediu para ser enterrada ao lado dele. Em 1818, seus restos foram levados para o Père Lachaise, onde construíram um mausoléu sob uma castanheira, com suas efígies deitadas lado a lado.

Toda história de amor comove, seja fictícia ou real. A ficção se baseia em uma realidade, e as histórias reais repetem traços da ficção. Poderia ser uma lenda, poderia ser um conto de fadas, poderia ser um romance, mas muitas são reais, e povoam a nossa imaginação. Princesas ou não, todas as mulheres têm um destino. Seja como a Princesa e a ervilha, que passa por um teste para ser escolhida, ou Aurora, que vive duras provas até ser salva por um Príncipe encantado, repetindo o mesmo percurso de Psique apaixonada por Eros, sofrendo com as maldades de Afrodite.

O amor move a terra e as estrelas. Se não fosse assim, Dante não teria sua Beatriz, nem Lancelot sua Guinevere, nem Sheherazade teria contado as histórias das Mil e Uma Noites para o sultão. Todos os poetas, músicos, pintores, reis, príncipes, escultores, duques, condes, escritores têm sua musa inspiradora, seja nobre ou plebeia, santa ou rameira. Baudelaire teve sua Jeanne Duval, Modigliani sua Jeanne Hébuterne, Rodin sua Camille Claudel. A paixão nos dá a direção que devemos seguir. Sejamos princesas ou não, rainhas ou cozinheiras, donas de casa ou executivas, somos as apaixonadas amantes de homens que existem para nos amar.

Nem todas as histórias terminam bem. Mas como nos contos de fada, devemos vencer os dragões, vilões, bruxas e perversos. Por isso acreditamos nas histórias que lemos: todas são reais ou podem se realizar.

18/08/2018 - 19h38 - Aniversário de 18 anos da Ibis Libris Editora