sábado, 11 de outubro de 2014

Lições de sábado 158

Fui a um lançamento da editora na sexta passada, quando minha mãe foi hospitalizada, e parei na frente da estante de guias de turismo, e vi um guia de Paris, me lembrei de mamãe e pensei imediatamente: “Não vou ter mais para quem comprar esses livros”. Tudo que eu achava interessante comprava para ela, fosse um livro sobre história do Brasil, sobre Santos-Dumont, ou Monteiro Lobato. Tudo que eu sabia que interessava a ela, desde livros de receitas e orações, histórias de santos ou dos papas, tudo que pudesse entretê-la. E como todos os assuntos a interessavam, ela poderia ler sobre qualquer coisa. Ela fazia coleção de dicionários. Sobre todos os assuntos. Desde tupi a japonês. De ciência mecânica à astrologia. Tudo era motivo de estudo e pesquisa espontânea. Era a rainha dos dicionários e irmã das enciclopédias. Tudo que não sabíamos, ela dizia para consultar o Aurélio ou a Enciclopédia Britânica, o que hoje seria resolvido com uma olhada no Google. Mas não havia internet e os almoços eram divididos com livros sobre a mesa. A refeição era usada para partilhar as últimas descobertas ou dividir os últimos conhecimentos. Era uma mania da família mostrar saber algo que ninguém sabia. E assombrar a todos. Em contrapartida, éramos loucos para aprender. Isso foi um hábito que durou muitos anos até meu irmão ir para a Europa morar com meu pai. Mesmo assim minha mãe não encerrou suas pesquisas. Acabei de achar numa gaveta recortes de jornal de 2000 sobre tudo que é assunto que pudesse interessar a alguém. Se ela sabia que um amigo estava precisando de algo, logo ela recortava um anúncio de jornal para ele. Encontrei poemas que ela escreveu até julho, quando ela deixou de andar. A letra já estava indecifrável, mas ela achava que podia escrever haicais. Eram mais curtos e rápidos, assim não teria de escrever muito, e a caligrafia frágil encheu uma página de haicais rabiscados. Minha mãe era uma surpresa, impossível legado, pessoa cheia de altos e baixos e extensas planícies. Amorosa sem floreios. Direta e precisa. Se mais não fez, não foi necessário. Teve o tempo para urdir sua semeadura. E deixar em muitas pessoas a sua marca.

9/10/2014 - 9h26


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