segunda-feira, 18 de abril de 2022

Lições de sábado 374

Eu sempre trabalhei no Carnaval. Morando em São Paulo desde os 19 anos, o Carnaval era momento de silêncio e reclusão. Não se ouvia nenhum batuque ou bloco, valendo mesmo o apodo de “Túmulo do Samba”. Aproveitava para ler e escrever o que estivesse atrasado, fossem cartas ou meu diário. Era um período que eu aguardava com ansiedade porque eu sabia que teria os dias de folia só para mim. Não teria que dar aulas, não teria que sair, não teria que ia a parte alguma, e ficaria naqueles quatro dias entregue aos meus afazeres. Enquanto os outros se esbaldavam em bailes em clubes fechados, eu tinha esse tempo livre para pôr tudo em dia. 

Eu não via carnaval na TV, nem me importava com nenhuma campeã, afinal isso estava acontecendo no longínquo Rio de Janeiro. A única vez que fui a um baile foi aos dez anos de idade, num clube em São Paulo levada por minha mãe que achava que eu tinha que “brincar” no Carnaval. Pra nunca mais. Lembro ainda de um baile infantil que meu pai me levou no Theatro Municipal quando os desfiles ainda eram na Avenida Presidente Vargas e os blocos desciam a Avenida Rio Branco. Aí inventaram o Sambódromo, o Carnaval mudou-se para lá, mas a cidade continua insuportável. 

Quando voltei ao Rio de Janeiro, tive que me lembrar do que era conviver com o Carnaval após 23 anos de exílio. Até escrevi um conto quando ainda morava no Rio, aos 18 anos, chamado “Carnaval ou quase isso”, inspirada em Mario de Andrade. Esse é um Carnaval que não existe mais. Logo depois, me mudei para São Paulo e o Carnaval acabou. Mesmo tendo voltado para o Rio, continuo trabalhando no Carnaval, pois é o melhor momento para fazer o que nunca tenho tempo de concluir. São dias contínuos sem interrupção, como um feriado prolongado. O que mais temos no Brasil são feriados, e agora o que mais temos é Carnaval.

18/04/2022 - 11h53




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