sexta-feira, 18 de março de 2016

Lições de sábado 239

"É preciso ter drama", me disse certa vez a professora de roteiro na Universidade do Colorado, em Boulder. Não adianta criar uma história que não tenha embate. Tem que haver conflito. Tem que haver antagonismo, senão a narrativa não decola. Fiquei pensando longamente sobre isso, no início de 2005, enquanto criava os diálogos centrais de "Breve anunciação", minha peça de teatro que estreou em junho de 2013 e permaneceu dois meses em cartaz, no Solar do Jambeiro, em Niterói. Escrevi pensando em descrever um relacionamento, colocar tudo que gostaria que pudesse ser ou tivesse sido dito entre duas pessoas que se amam. Muitas das falas foram criadas, outras apenas reescritas, mesmo fora do contexto inicial. A experiência me mostrou que o drama é a melhor forma de passar uma mensagem. Não adianta apenas enunciar. Tem que haver dor e separação, negação e mentira, para que se descubra a luz da verdade, o instante divino, o abraço do amor. No contraste, descobrimos o que precisamos ver. E, na dramatização do desejo, sabemos como expressá-lo. Talvez sejam dessas experiências que precisemos para atravessar o deserto do desconforto, a fímbria do fim, o absurdo das circunstâncias, para valorizarmos "o tempo presente, os homens presentes, a vida presente", como nos disse Carlos Drummond de Andrade, em seu poema "Mãos dadas", em "Sentimento do mundo". 

18-03-2016 - 22h29

Mãos Dadas

Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros
Estão taciturnos, mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considere a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história.
Não direi suspiros ao anoitecer, a paisagem vista na janela.
Não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida.
Não fugirei para ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.


in “Sentimento do Mundo”





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