"É preciso ter drama", me disse
certa vez a professora de roteiro na Universidade do Colorado, em Boulder. Não
adianta criar uma história que não tenha embate. Tem que haver conflito. Tem
que haver antagonismo, senão a narrativa não decola. Fiquei pensando longamente
sobre isso, no início de 2005, enquanto criava os diálogos centrais de "Breve
anunciação", minha peça de teatro que estreou em junho de 2013 e permaneceu
dois meses em cartaz, no Solar do Jambeiro, em Niterói. Escrevi pensando em
descrever um relacionamento, colocar tudo que gostaria que pudesse ser ou
tivesse sido dito entre duas pessoas que se amam. Muitas das falas foram
criadas, outras apenas reescritas, mesmo fora do contexto inicial. A
experiência me mostrou que o drama é a melhor forma de passar uma mensagem. Não
adianta apenas enunciar. Tem que haver dor e separação, negação e mentira, para
que se descubra a luz da verdade, o instante divino, o abraço do amor. No
contraste, descobrimos o que precisamos ver. E, na dramatização do desejo,
sabemos como expressá-lo. Talvez sejam dessas experiências que precisemos para
atravessar o deserto do desconforto, a fímbria do fim, o absurdo das
circunstâncias, para valorizarmos "o tempo presente, os homens
presentes, a vida presente", como nos disse Carlos Drummond de Andrade,
em seu poema "Mãos dadas", em "Sentimento do mundo".
18-03-2016 - 22h29
Mãos Dadas
Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros
Estão taciturnos, mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considere a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos
dadas.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma
história.
Não direi suspiros ao anoitecer, a paisagem
vista na janela.
Não distribuirei entorpecentes ou cartas de
suicida.
Não fugirei para ilhas nem serei raptado
por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo
presente, os homens presentes,
a vida presente.
in “Sentimento do Mundo”
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