quinta-feira, 24 de março de 2016

Lições de sábado 240

"Não são os ossos que garantem a imortalidade à Mona Lisa, mas, sim, o sorriso". Esta frase de Flavio Sanso, se nos pega desprevenidos, provoca uma reação imediata. Não é a tenra carne de sua face, nem a calidez de suas mãos, nem o contorno de seus ombros que nos cativam há 500 anos (1503-1517), mas a lembrança de seu sorriso que perdura por muito tempo depois de vê-lo, seja ao vivo, seja em foto, numa reprodução barata, numa camiseta, sempre será a Mona Lisa eternizada, tantas vezes repintada, estilizada, repetida como um ícone contemporâneo à la Andy Warhol. Nenhuma mulher de seu tempo foi tão glamourizada, como uma Princesa Diana da Renascença. "Nada é mais extremo que a permanência", escrevi num poema que publiquei em pôster, em 1983, chamado "Décima lua" e depois no meu livro "Areal", em 1995. Este verso se destacou dos demais justamente por conter uma verdade intocável: não há nada que queiramos mais do que a permanência. E pelos rastros deixados por nossos antepassados, tentamos descobrir como viviam, o que pensavam. O que pensava a Mona Lisa? Como a Dama Negra dos sonetos de Shakespeare, só a descrição deixada pelo Bardo nos traz esses indícios. Como vivia Marília de Dirceu? Só Tomás Antônio Gonzaga a descreveu. A perpetuidade dessas mulheres nos assombra, pois, na idolatria de seus amados, conseguiram passar à história como a perenidade das estrelas. Ora, direis... decerto perdeste o senso. Mas não são as mulheres que provocam esses suspiros que se perpetuam nos poemas, nas esculturas, nas lápides, nas pinturas, nos nomes dados a tantos objetos? O que garantiu a imortalidade à Mona Lisa foi seu sorriso e a mão que a pintou. Leonardo Da Vinci fez muito mais do que isso, mas foi este quadro, por sua vez, que o imortalizou.  

24/03/2016 - 18h42




Um comentário:

  1. O sorriso e os ossos da Mona Lisa
    De Flávio Sanso
    Suspeita-se que os ossos da Mona Lisa tenham sido encontrados. Foi o que eu li em algum link suspenso na abstração da grande rede e que talvez só não tenha sido clicado, porque a setinha comandada pelo rato de rabo em forma de fio preferiu se aventurar em alguma outra notícia, que, por sua vez, se subdividiu em várias outras notícias, fazendo com que a visita virtual perdesse o caminho de volta. Mas mesmo a pequena frase que convidava a um clique não efetuado foi suficiente para estimular reflexões etéreas e expansivas.
    Mona Lisa (ou Gioconda, como queira) já deixou de existir há séculos. Sua pele se desmanchou sob a terra, sua boca se desfez, restando-lhe somente os ossos, cuja resistência inerente ao material de que é feito garante o testemunho de que, sim, nossos ancestrais mais remotos realmente estiveram por aqui. Todavia, não são os ossos que lhe garantem a imortalidade, mas, sim, o sorriso.
    O sorriso mais enigmático de que se tem notícia foi congelado no tempo e, certamente, para a surpresa da própria Mona Lisa, provoca a veneração contemporânea representada por olhares atentos e flashes orientais. Mas, se o sorriso em questão é enigmático, assim também o é todo o conjunto de circunstâncias que o cercam e que foram definitivamente engolidos pela passagem impiedosa do tempo. Assim, o que terá feito Mona Lisa imediatamente após ter posado para os últimos traços de tinta que a retrataram perenemente? Como terá sido a reação de Leonardo Da Vinci após ter terminado sua obra-prima? Comemorou? Deu de ombros julgando tratar-se de mais um entre tantos outros trabalhos sem tanta importância? E o jeito como pintou o tão famoso sorriso? Utilizou-se de alguma técnica especial, para que tenha sido proposital a construção de um sorriso enigmático ou simplesmente pintou sem imaginar que a maneira como suas pinceladas davam forma ao sorriso causaria tanta repercussão?
    Tudo isso ficou para trás e só pode ser reproduzido através do exercício imaginativo. Permanente mesmo só o sorriso de Mona Lisa, que ainda perdurará, enquanto tantos outros ossos se empilham sob a terra.

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